Leandro Rodrigues (Osasco, 1976) publicou os livros Aprendizagem Cinza (Patuá, 2016), Faz Sol Mas Eu Grito (Patuá, 2018), Todas As Quedas São Livres (Penalux, 2020) e Do Mofo & Suas Simetrias (Patuá, 2021), além de participar de diversas antologias: O Casulo (2016), Hiperconexões 3 (2017), Sarau da Paulista (2019), MedioCridade (2019), 70XCaio (2019), Clausura (2020) entre outras. Em 2020 venceu o 4º Prêmio Guarulhos de Literatura na categoria Poesia com Do Mofo & Suas Simetrias (então inédito). Teve poemas traduzidos e publicados na Espanha e Estados Unidos (Antologia de poesia brasileira contemporânea da revista DUSIE nº 21 da UCLA).

Os poemas a seguir foram selecionados da obra Do Mofo & Suas Simetrias (Patuá, 2021).

O ÚLTIMO RINOCERONTE BRANCO
O último rinoceronte branco morreu
   sem deixar herdeiros
O último rinoceronte branco esqueceu
    dos longos labirintos do fauno
O último rinoceronte branco derramou
    sua derradeira lágrima azul
e num voo em formato de elipse
    deitou fora a humanidade
extinguiram-se seus caniços de cera
    suas gravuras de Dürer
    suas presas imóveis
sua estranha desestrutura blindou-se   
    num falso grunhido estapafúrdio,
    réquiem para nenhum vestígio
O último rinoceronte branco morreu
    de tédio   de tédio   de tédio   de tédio
OS PEIXES MORTOS
Desconfio da tarde
com esses peixes mortos
o fedor das bandeiras apodrecidas
nas sacadas
a poeira vomita restos de um domingo mofado
policiais não se dão conta do precipício dessa tarde mofada
um cão magro atravessa um jardim seco
cubro os meus olhos ressecados
os peixes mortos também têm olhos secos 
O ITINERÁRIO DA BALA PERDIDA
a bala perdida
não tem nada de perdida
tem alvo certo
gps
endereço
a bala perdida
nunca se perde
              rasga a noite
              é medida
              distância e opressão
              cala o grito
              da pobreza
              está na pele negra
              e se veste de não
a bala perdida
sempre encontra
              o corpo vivo
              da escravidão
MÃES DE JANEIRO
As mães de janeiro choram a cada lâmina fria
do vento em seus próprios corpos
cada pequena agulhada no ventre disseca
as lágrimas de um novo novelo seco
farpados arames dos dias
As mães atravessam em círculos a praça central
desdobram as cavidades das placentas
comungam gritos insepultos
lápides ainda não terminadas
Num ritual decano reacendem longos pavios
palavras que não morrem
e não se apagam na noite mais escura.  
