Eucanaã Ferraz nasceu no Rio de Janeiro em 1961. É professor de literatura brasileira na Universidade Federal do Rio de Janeiro e autor dos livros de poesia Livro Primeiro (1990), Martelo (1997), Desassombro (2002), Rua do mundo (2004), Cinemateca (2008), Sentimental (2012) e Escuta (2015). Escreve também para o público infanto-juvenil e organizou vários livros, entre eles, Letra só (2003) e O mundo não é chato (2005), ambos de Caetano Veloso; reuniu poemas e letras de canção na antologia Veneno antimonotonia (2005) e, após preparar a Poesia completa e prosa de Vinicius de Moraes (2004), passou a coordenar a edição das obras do poeta pela Companhia das Letras.
Selecionamos poemas de todos os livros de poesia publicado pelo autor até 2015, disponíveis na página http://eucanaaferraz.com.br.
CALENDÁRIO
Maio, de hábito, demora-se à porta,
como o vizinho, o carteiro, o cachorro.
Das três imagens, porém, nenhuma diz
do que houve, para meu susto, àquele ano.
O quinto mês pulou o muro alto do dia
como só fazem os rapazes, mas logo
pelos quartos e sala convertia o ar em águas
definitivamente femininas. Eu
tentava decifrar. Mas
deitou-se comigo e, então, já não era isso
nem seu avesso: a camisa azul despia
azuis formas que eu não sabia, recém-saídas
de si mesmas, eu diria, e não sei ter
em conta senão que eram o que eram. Partiu
do mesmo modo, em bruto, coisa sem causa.
Maio, maravilha sem entendimento,
demora-se à porta, como o vizinho,
o carteiro, o cachorro. Porém,
nenhuma das três imagens, tampouco
este poema, diz do que houve, para meu susto,
àquele ano.
(do livro: Cinemateca. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.)