Isadora Krieger: Explorações Cardiomitológicas (2018)

Poeta e escritora, em 2018 publicou o livro de poesia Explorações Cardiomitológicas (Editora da Casa), semifinalista do Prêmio Oceanos de Literatura em 2019 e suplente no edital de residência artística do Sesc SC em 2018. Em 2017 publicou a novela O wi-fi da igreja é muito fraco (Editora Urutau). Em 2014 publicou o romance Memória da Bananeira (Carniceria Livros), o livro de poemas e fragmentos O Gosto da Cabeça, na coleção Poesia Menor (Publicações Iara) e a novela “Caráter Anal”, na coleção Boca Santa (Carniceria Livros). Atualmente trabalha na peça de teatro Amadeleite. Realizou oficinas de escrita em São Paulo, São Carlos, Belo Horizonte e Balneário Camboriú.

foto: Julieta Bacchin


Os poemas a seguir foram selecionados da obra Explorações Cardiomitológicas (Editora da Casa, 2018).


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só será possível escrever a carta desconsiderando entregá-la
só será possível escrevê-la desconfiando que tu já a lês
numa terra que antecipa os símbolos, indícios de incontáveis perdas e de alguma improvável luz
que guarda a palavra saudade, no cão que uiva incansavelmente à noite
como se soubesse, mas não aceitasse que o abandono foi inevitável, porque todos os abandonos são. e o que nos resta, e o que sempre restará, será a solidão do próprio reflexo
que guarda também a palavra paciência, na pedra apta a permanecer para sempre pedra e até propensa, e, inclusive, mais talentosa do que qualquer sacerdote, a nos ensinar o silêncio e a abnegação
que guarda, ainda, a palavra amor em estado primevo
no pássaro que aceita o ninho destruído pelo vento, e sobretudo, pelo toque humano – portanto inábil por natureza. afinal, por que as crianças se divertem tanto mirando estilingues contra o céu?
esta é uma das oitenta e sete perguntas que não te fiz, oitenta e sete respostas que não tive
mas não há alternativas
não há nem mesmo uma única alternativa (a não ser agir como cão, pedra e pássaro)
quando o estoque de velas foi gasto de maneira inapropriada
numa despedida que serviu para tudo
menos para dizer adeus.
só será possível entregar a carta imaginando-te velho, ainda mais velho do que quando te conheci
sentado numa velha cadeira
fumando um velho charuto
sozinho numa velha varanda
diante de uma velha paisagem
tão velha quanto a ideia de deus.

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