Christian Dancini: Suspensos no ar em silêncio por um instante (2025)

Christian Dancini  é um poeta nascido e residente de São Roque, São Paulo. Aos 22 anos, publicou “Reminiscências”, com prefácio de Renato Gonda e Eduardo Agni, e ilustração de Emerson Santana. Lançou também “Pleroma” e “Dialeto das Nuvens”, semifinalista do prêmio Oceanos 2024.


Os poemas a seguir foram selecionados do livro “Suspensos no ar em silêncio por um instante”, seu lançamento mais recente, editado pela Primata em 2025 e disponível para compra aqui.



SUSPENSOS NO AR EM SILÊNCIO POR UM INSTANTE

Eu olho para as fotos como que procurando o destino.
Não sei exatamente onde eu me perdi.
Não sei exatamente onde a encontrei.
Não sei sobre o pavio aceso do tempo que nos esmaga
como insetos.
Eu olho nos teus olhos e te procuro.
Em todos os olhares eu te perco.
Porém, eu prometo, que na noite mais escura, do céu mais
vazio,
das estrelas mais fustigantes, fugidias, eu estarei
segurando a tua mão,
suspenso no ar, em silêncio, por um instante.
Eu procuro tua mão à noite, ao amanhecer e ao
entardecer.
Em todas as cordas me emaranho, enrosco o pescoço na
forca.
Entretanto, te perco, nas lâminas de aço pungentes,
no segredo que o céu não soube guardar. Eu escrevo poesia para alcançar o
teu nome, que já diz
tudo.
Eu olho para as fotos como que procurando a ti,
mas encontro as tuas últimas palavras cravadas em seda:
“tu jamais alcançarás a lua se não saltar o precipício”.

R O S A

Eu te dou a palavra rosa. Não a flor, não a cor, mas a
palavra rosa.
Faça o que quiseres com ela. Pinte-a de todas as cores da
aquarela.
Enfeite-a com pontos e vírgulas, com suspiros. Enfeite-a
com ramos,
com outras palavras — mas que ela continue sendo a
principal, a protagonista
da sua história. Eu te dou a palavra rosa porque ela não
morre. E podes
plantá-la no jardim do teu íntimo, ao lado do teu coração.
Ah, como ela irá florir…, mas não esqueça de podá-la
quando necessário for.
Eu te dou a palavra rosa e não aguardo nada em retorno:
rosa…
R-O-S-A. Faça o que quiseres com a palavra, mas lembre-
se de que quem a
proferiu fui eu, antes da tempestade, antes da escuridão
ofuscar teu brilho.
Porque seja como for, a rosa é tua e somente tua. Eu não
posso te dar mais nada e, por isso, espero que a palavra ‘rosa’ seja o suficiente
para inundar teu cálice de amor
e transbordar teu corpo em sombras.


OVERDOSE

Dedicado a Marcelo Ariel.


Um suspiro. Arde, rebenta na costa o peso do ar rarefeito.
Um nome coberto de sombras, um cão que ladra, lírico.
Um lírio carregado de emoção e volúpia.
Preciso pensar que é só por um dia. A seiva que percorre
as partes mais sensíveis do corpo humano: a têmpora
pulsa,
as pálpebras caem, para nunca mais abrirem. Rochedos
que cobrem
teu corpo lívido empalidecem os urutaus, que revoam,
perpassados
por horizonte, pairando sobre a distância. “Só mais um
dia” — eu grito.
Minhas mãos agora roxas, meu nariz aspira uma cicatriz
na alma.
O pó entra e eu adentro um panteão. O coração acelera,
com pressa.
Tombam, às bordas, pouco a pouco, as margaridas.
E eu — um deus que dança — pairo
por sobre as constâncias do sol e da lua. O plasma escapa
pelas narinas. A última dose é sempre a mais poética. Caio, nu, no chão
do banheiro.
Estremeço. É possível que cavalos marinhos pudessem me
carregar nas costas.
Submergir-me aos poucos, atônito, convalescente.
Estrelas babando de tanto
tomarem antipsicóticos. Casas brancas e azuis. O ruído da
ambulância.
Vacilo um passo a mais. Desmoronando. Desamparo. Fim.
Porque o sangue pastoso corre atrás das orelhas da minha
mãe.
Porque há muito tempo eu já desisti de mim.
Porque nem todo trovão precede uma tempestade.

Primata