Mercia Pessôa nasceu e mora no Rio de Janeiro. Poeta, é autora de Súrnia, (1996), Zoa (2016) e Augusta (2019). Possui Doutorado em Estudos Literários pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – UNESP, com o tema “ Veredas Fáusticas da Narrativa: Almas Mortas e Grande Sertão” (2005), Mestrado em Poética (Ciência da Literatura) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ com a dissertação “Misoginias Poéticas? A fragmentação do gênero em Gógol “(1998), é especialista em língua e literatura russa (1990).
Os poemas a seguir foram selecionados da obra Súrnia, (1996).
UMA MULHER E SUA QUARTA-FEIRA DE CINZAS
Tenho febre de lebre, anoiteço Quase sem cor. De cor: “As horas Que contém a forma Na casa do sonho transcorreram” Já não há mais rima para quedo Que não seja medo E talvez Não haja conteúdo tampouco O verso tornou-se um hiato Entre o aposto e a eterna aposta Seu reverso – uma partilha Sem ponto final E o que me resta jogar? Senão refutar As palavras em perdas e ganhos. Para depois Sorrir, sem fazer carnaval, demonstrando O corpo e os dentes Ao etéreo namorado
Roberto Casarini (Marília/SP, 8.10.1983), ou Casa, publicou os seguintes livros de poesia: Casa Rio (Medita, 2013), Casa Fogo (Medita, 2013), Piroca na Oca (Medita, 2014), Casa Mari (2015), Casa 08 80 (Urutau, 2017) e Poemas Permutantes (Ed. Lab, 2018). O livro Mudos Muros se pinta de versos à máquina (vermelho e negro), nas paredes de casa e nos muros da cidade. Perseguidor de novos traços e espaços. Poeta concreto e argamassa. Poeta de ocas e casas ao acaso. Poeta de 80 mundos em Mudos Muros. Lá, aonde ergueram muros, o coro coletivo pinta a poesia.
Os poemas a seguir foram selecionados da obra Mudos Muros (Córrego, 2019).
Helena Borges nasceu em setembro de 1993. Carioca, foi morar em Belo Horizonte em 2017 para cursar artes plásticas na Escola Guignard, hoje frequentando o sexto período, depois de pedir transferência do Instituto de Artes da UERJ. Experimenta diversas linguagens e temas no seu processo criativo, como pintura, fotografia, cerâmica, desenho e escrita. É fascinada pelos fenômenos misteriosos da existência e horrorizada com certos fenômenos sociais, temas que são recorrentes no seu fazer artístico e mágico.
Os poemas a seguir foram selecionados do livro Peito do pé sobre peito (Urutau, 2019).
POEMA DE UM EXISTIR INTEIRO
Nesta noite de domingo entro no ônibus e na janela estourada há cacos de vidro. Eu os pego, não é? Pedaço transparente todo picotado, em sua superfície desenham-se caminhos verdes, lagos, rios?
O caco de vidro está quebrado em 10 mil pedaços tão pequenos e genuínos que possuem luz.
Com as minhas mãos preciso esfarelá-los. (Não sinto-as mais há tempos.)
Cada pequeno pedaço transparente todo picotado, em sua superfície desenham-se caminhos azuis, ruas, calçadas?
São fios de vidro. Segurá-los faz cortes nas mãos e eu sangro ao esfarelá-los.
Cada fio de pequeno pedaço transparente todo picotado, em sua superfície desenham-se caminhos vermelhos, veias, artérias?
Esfarelo-os enquanto vejo os fios se misturarem ao sangue, ao meu sangue grosso. E já estou no centro?
O essencial é microscópico!
Cada micro fio de pequeno pedaço transparente todo picotado, em sua superfície desenham-se caminhos brancos, nuvens, frios?
A vida incontrolável captura o vidro transparente e desse existir inteiro não se sobra nada. (Não sinto-as mais, há tempos.)
Poeta e escritora, em 2018 publicou o livro de poesia Explorações Cardiomitológicas (Editora da Casa), semifinalista do Prêmio Oceanos de Literatura em 2019 e suplente no edital de residência artística do Sesc SC em 2018. Em 2017 publicou a novela O wi-fi da igreja é muito fraco (Editora Urutau). Em 2014 publicou o romance Memória da Bananeira (Carniceria Livros), o livro de poemas e fragmentos O Gosto da Cabeça, na coleção Poesia Menor (Publicações Iara) e a novela “Caráter Anal”, na coleção Boca Santa (Carniceria Livros). Atualmente trabalha na peça de teatro Amadeleite. Realizou oficinas de escrita em São Paulo, São Carlos, Belo Horizonte e Balneário Camboriú.
foto: Julieta Bacchin
Os poemas a seguir foram selecionados da obra Explorações Cardiomitológicas (Editora da Casa, 2018).
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só será possível escrever a carta desconsiderando entregá-la só será possível escrevê-la desconfiando que tu já a lês numa terra que antecipa os símbolos, indícios de incontáveis perdas e de alguma improvável luz que guarda a palavra saudade, no cão que uiva incansavelmente à noite como se soubesse, mas não aceitasse que o abandono foi inevitável, porque todos os abandonos são. e o que nos resta, e o que sempre restará, será a solidão do próprio reflexo que guarda também a palavra paciência, na pedra apta a permanecer para sempre pedra e até propensa, e, inclusive, mais talentosa do que qualquer sacerdote, a nos ensinar o silêncio e a abnegação que guarda, ainda, a palavra amor em estado primevo no pássaro que aceita o ninho destruído pelo vento, e sobretudo, pelo toque humano – portanto inábil por natureza. afinal, por que as crianças se divertem tanto mirando estilingues contra o céu? esta é uma das oitenta e sete perguntas que não te fiz, oitenta e sete respostas que não tive mas não há alternativas não há nem mesmo uma única alternativa (a não ser agir como cão, pedra e pássaro) quando o estoque de velas foi gasto de maneira inapropriada numa despedida que serviu para tudo menos para dizer adeus. só será possível entregar a carta imaginando-te velho, ainda mais velho do que quando te conheci sentado numa velha cadeira fumando um velho charuto sozinho numa velha varanda diante de uma velha paisagem tão velha quanto a ideia de deus.
Leandro Rodrigues (1976) nasceu em Osasco, São Paulo. É Poeta e Professor de Literatura. Já lançou os livros Aprendizagem Cinza (2016) e Faz Sol Mas Eu Grito (2018). Participou das antologias: Hiperconexões 3 – Carbono & Silício (2017), O Casulo (2017), Sarau da Paulista (2019), MedioCridade (2019) e 15ª Antologia SESC Carlos Drummond de Andrade (Brasília). Já teve poemas traduzidos e publicados na Espanha (revista sèrie Alfa) e nos Estados Unidos (revista Dusie Nº 21 da UCLA (Universidade da Califórnia)), também em diversos sites, jornais e revistas do Brasil e de Portugal.
foto: Jesse Navarro
Os poemas a seguir foram selecionados da obra Aprendizagem Cinza (Patuá, 2016).
O HOMEM DE PAPEL
Então acaba-se assim um homem Num segundo – e já não existe mais. O que fez; o que não fez – a tarde O que faria; o que desejaria ainda.
Ponto final. Vira-se a página.
O homem é passado. Passou.
Recorte de recortes.
O livro fechado esquecido.
Mera ilusão. A noite Empoeirada em estantes, As revoltas (reviravoltas), O sofrimento, a chama.