Leandro Rodrigues: Faz sol, mas eu grito (2018)



Leandro Rodrigues (1976) nasceu em Osasco, São Paulo. É Poeta e Professor de Literatura. Lançou em 2016 o seu primeiro livro: Aprendizagem Cinza (Ed.Patuá). Participou em 2017 da antologia Hiperconexões 3 (Ed. Patuá). Em 2018 lançou seu 2º livro: Faz Sol Mas Eu Grito (Ed. Patuá). Publicou poemas em vários sites e revistas de literatura do Brasil, Portugal, Espanha e Estados Unidos. Mantém seus escritos no blog [nauseaconcreta]



foto: Jesse Navarro


Os poemas a seguir foram selecionados do livro Faz Sol Mas Eu Grito (Patuá, 2018)





MEMÓRIA


Tantas vozes mortas ainda escorrem
Nessa umidade fria da parede

Uns passos intactos / calados no chão
Destroçados qual vermes inaudíveis

Poças dormentes que rangem
engrenagens tísicas de porcelana

bromélias que murcham
com sangue nas cavidades
&
brotam nesses rios fétidos
Usinas de fetos e espasmos

Gritos/ lamentos das galerias
cavando domados silêncios

das horas turvas de um relógio de sol
calcinado pela escuridão.


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Celso de Alencar: Desnudo (2018)

Poeta paraense, radicado em São Paulo desde 1972. Sobre Celso de Alencar, o poeta e crítico Claudio Willer, afirma que se trata do mais enfático poeta contemporâneo brasileiro. Escreve com furor messiânico, com a veemência dos profetas. Enquanto, o compositor e poeta, Jorge Mautner, o considera profeta da quarta dimensão, escandalizador e libertador de almas. Já o cineasta Carlos Reichenbach sintetiza: Celso de Alencar é, sem nenhum exagero, um dos maiores poetas brasileiros em atividade. Sua poesia blasfema e despudorada é da estirpe de Pasolini, Rimbaud, Leautréamont, Sousândrade, e todos os nossos malditos maiores. O artista plástico Valdir Rocha é taxativo: loquaz, perverso, mordaz, contundente, imprevisto, surreal, etc., e o poeta e crítico Carlos Felipe Moisés decreta: diabolicamente angelical ou angelicalmente diabólico. É reconhecido entre os grandes talentos da Geração de 1970. É autor dos livros de poesia Salve Salve, Arco Vermelho, Os Reis de Abaeté, O Primeiro Inferno e Outros Poemas, Sete (com 25 xilogravuras de Valdir Rocha), Testamentos, Poemas Perversos, O Coração dos Outros e Desnudo.  

 

 

celso de alencar


Os poemas a seguir foram selecionados do livro Desnudo (Quaisquer, 2018).





CARTA PARA A MINHA MÃE MORTA


Mãe, há uma loucura às vezes.
Aqui dentro escuto um som distante
de máquinas de serraria.
Pela vidraça da porta vejo
um velho ventilador prateado se movimentando no quintal.
Os galhos das árvores sobem e descem,
repletos de passarinhos vermelhos.
Uma gigantesca onda de loucura me diz:
enforca-te sobre a parede com teu vulto de tontura e fúria.
E os homens gordos das suntuosas lojas de perfume
se escondem atrás das cercas de madeira,
masturbam-se e rastejam pelo capim e choram,
riem, mijam e chamam as prostitutas de prostitutas,
e fumam e bebem sem uma fala que comova,
ou um pequeno discurso de prostituídos
ou uma lambida de língua sobre as mãos.

Os outros, os magros, roçam seus pênis
esbranquiçados nos encostos
das cadeiras do Teatro Público Joseph Morgan
e babam como homens inúteis e insignificantes.
Eu lhes digo: não cuspam no chão por favor.
Há uma criancinha deitada sob seus pés.
Então, levemente se aproxima a nuvem fria
derramando gelo sobre os velocípedes brancos.
E ouço gritos de uma esposa, pálida,
pedindo comida no meio da multidão de
desempregados domésticos e ambulantes
vendedores de sapatos e cintos, masculinos.
Então vou à juventude dos anos
dos meus antepassados para reconhecer
os meus braços e o meu rosto antes que se
desmanchem como as nuvens.
Mãe, às vezes é tudo tão estranho.
Os cobertores da lanifício Ravler Eskle
têm me protegido do frio
e tenho notado as minhas unhas
que crescem como as romaneiras.


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Lilian Sais: acúmulo (2018)

Lilian Sais é escritora, pesquisadora e tradutora de grego antigo. Doutora em Letras, é uma das fundadoras da plataforma de ensino e difusão cultural Literartéria e coeditora da Revista Libertinagem, de arte e literatura erótica. Possui publicações virtuais e impressas no Brasil e em Portugal. Em 2018 lançou a plaquete de poemas Passo imóvel pela Editora Cozinha Experimental. acúmulo (Patuá, 2018) é seu primeiro livro.

 

 

 

 

Os poemas a seguir foram selecionados do livro acúmulo (Patuá, 2018).

ROUPAS NO CHÃO

(para Jamesson Buarque)

 

o pássaro voa até a janela.
saiu do meu ouvido,
mas as asas permanecem
batendo dentro da
cabeça.

(na luta
a luta
cansa.)

o peso é impossível e
há meses não sangro
como se deve,
pra fora.

– estou grávida
de abismo.

 

 

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Murilo Mendes: A poesia em pânico (1937)

Murilo Mendes, nasceu em Juiz de Fora em 1901 e faleceu em Lisboa em 1975. Um dos grandes poetas do século XX, bebeu de fontes distintas como a proposta modernista brasileira, o catolicismo, o cubismo, o surrealismo e o concretismo. Sua vasta produção artística inclui os livros de poesia: Poemas (1930), Bumba-meu-poeta (1930), História do Brasil (1933), Tempo e eternidade – com Jorge de Lima (1935), A poesia em pânico (1937), O Visionário (1941), As metamorfoses (1944), Mundo enigma (1945), Poesia liberdade (1947), Contemplação de Ouro Preto (1954), Tempo espanhol (1959), Siciliana (1959), e Convergência (1970).

 

 

Realizaremos a retrospectiva de sua trajetória poética numa série de publicações. Confira todas neste link. Hoje, seguem alguns poemas da obra A poesia em pânico (1937).

 

 

IGREJA MULHER

 

A igreja toda em curvas avança para mim,
Enlaçando-me com ternura – mas quer me asfixiar.
Com um braço me indica o seio e o paraíso,
Com outro braço me convoca para o inferno.
Ela segura o Livro, ordena e fala:
Suas palavras são chicotadas para mim, rebelde.
Minha preguiça é maior que toda a caridade.
Ela ameaça me vomitar de sua boca,
Respira incenso pelas narinas.
Sete gládios sete pecados mortais traspassam seu coração.
Arranca do coração os sete gládios
E me envolve cantando a queixa que vem do Eterno,
Auxiliado pela voz do órgão, dos sinos e pelo coro dos desconsolados.
Ela me insinua a história de algumas suas grandes filhas
Impuras antes de subirem para os altares.
Aponta-me a mãe de seu Criador, Musa das musas,
Acusando-me porque exaltei acima dela a mutável Berenice.
A igreja toda em curvas
Quer me incendiar com o fogo dos candelabros.
Não posso sair da igreja nem lutar com ela que um dia me absorverá
Na sua ternura totalitária e cruel.

 

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Matheus Guménin Barreto: A máquina de carregar nadas (2017)

Matheus Guménin Barreto (1992, Cuiabá) é poeta, tradutor e doutorando em teoria da tradução (FFLCH-USP). Publicou traduções de Bertolt Brecht e Ingeborg Bachmann. Em 2018 integrou o Printemps Littéraire Brésilien na França e na Bélgica a convite da Universidade Sorbonne. Publicou os livros A máquina de carregar nadas (7Letras, 2017) e Poemas em torno do chão & Primeiros poemas (Carlini & Caniato, 2018).

 


foto: Isabel Barreto

 

Os poemas a seguir foram selecionados do livro A máquina de carregar nadas (7Letras, 2017).

 

 

PRIMEIRO

 

O toque mesmo nas coisas
para lembrar as mãos da
arquitetura limpa daquilo
que o mundo gestou.

A mão limpa, cartesiana, reta
pelas coisas
para tirar o pó sobre os nomes

sol, xícara, casca, ladrilho, pêssego, miséria

e tocar outra vez
como no Dia Primeiro
algo dos nomes
que vibre.

 

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