Rodrigo Qohen (1993) é poeta, multiartista, editor e agitador cultural de São Paulo; atua com criações coletivas com a Baboon & outras bandas, explorando suportes diversos como livro, impressões, performance, som, imagem e jogo.
Desde 2023, é co-organizador e MC da noite mensal de jogos poético-sonoros ¡SVSTVS!
expôs trabalhos de collage e fotografia na Unicamp (Campos Magnéticos, 2019), Galerie Amarrage (Saint-Ouen, 2020), Maison André Breton (Paris, 2021) e Casa SLAMB (2025).
Como dramaturgo-ator-produtor-diretor assinou os espetáculos Psicomanto (2022), Reflexvs (2023), Trickster: as pantufas de Artaud (2024) e Bestiário (2025); publica artigos em revistas de artes e literatura, além de poemas no blog Quimera Delirante.
Entre seus livros e plaquetes de poesia estão O Parricídio (2016), Lâmpada em ponta de agulha (2017), Entre a vertiginosinagem (2018), revista VIDRO (2018), Dente Desperta (2019), Os Uivos (2023), Nossos corpos explodindo como grandes sois bêbados (2024), Rastro e Registro: desvios assêmicos no Parque da Luz (2024) e O Sopro de Orfídia (Primata, 2024).

Os poemas a seguir foram selecionados do livro O Sopro de Orfídia (Primata, 2024), disponível para compra neste link.

MEU CORPO DEITADO NO FOGO
A lua banha o rio tortuoso
E viajante cega ao mirar na luz
Não vence o vento vindo deserto
Como monstro que faz murchar as ervas
E das pedras que usa em punhos, pó de giz
Rasteja até o altar para desenhar o ponto
com cabeça triangular e corpo Melusine
Suplica que lhe deixe penetrar mais fundo
Na noite de núpcias, trepadeira parasita
Enquanto a língua bifurcada amarra Todavia
A mente tem asas libertas, mas corpo no chão
Uma grande transparente lhe convoca aos pés
A cada beijo, sua poça seca
Duas jarras misturam o uivo
A lua em crescente vulva
Quando os ramos secam,
vem Orfídia e lhe deita o lobo… no fogo
AS VIVAS APARIÇÕES TÊM COR DE NUVENS FINAS
Errante arriba cerrado
O cárdio em cordas farrapos
preso ao fiar de palpitar o voo
farfalhos de folha vate bem do topo…
… e conhece o mosto da raiz faminta
A coluna dobrou o pangaré no lombo
Osso rengo de vagar no rastro torto
Armadura derrete em couro, pinga ré de novo…
e de novo…
e de novo…
Deixa migalhas bolores
estrelas caídas como besouros
cada um com uma cor do prisma
cada gota perolando arco-íris
cada milésimo do tempo sem sombra nenhuma
Centauro esquálido de ar com que brada
Cabresto na garganta arfea poeira e pele seca
A cauda satírica fugiu chocalho
As asas-rainhas de Ofiúsa falharam no penhasco
Oxumarê, sem umidade tem céu monocromático
E os olhos… perceberam sedentos
A quem?
Arquejam estes espinhos agudos
Perfuram miúdos
Rins vazam areia…
O fígado morde varejeiras
O pânico acende a chaleira
O baú pega fogo nas orelhas
A pressão faz agulhas
faz delas as feras
dá dentes aos caninos famintos
dá sobras ao sorriso de peçonha
VÍVIDO COMO A FLAUTA DA CARAÍBA EM TRANSE
Galhos envergam urupiagaras,
como as ervas que escutam o ninho
Soma ao cérebro abrasada carcaça
As sombras, o trem dançarino
Sente cruzado o cume duro de barro
Poeirento, a contravento
Não sinto cheiro nas marcas de cigarro
Buracos… no lugar dos olhos
Os dedos sem pontas
O vácuo dos órgãos
Volto carregado pela estrela guia
Mão dada, costura, a praça esfria
Alquimia nêga entrega esmeralda
Chega desnuda, sem carapaça…
Até que a bruxa barreira
pela viela, me leva ao acaso
Diz das crinas do relincho que não diz nada.
Ele dá pouca bola.
Ela me olha.
Agarra com unhas geladas,
faz corda e diz muito mais…
que sente o calor emanando
da palma das mãos sem pele
Diz amando que não é amor
Diz que já foi, e nunca vai ser
Larga das tranças que martelam ucê
Sorriso.
É falso…
Gargalhar não apaga efeito
Ainda gozo ao coçar o buraco no peito
A pele fina da bruxa esquenta como ventre em
[movimento
Tem todas as etnias por dentro
e uma cobra enrolada no peito
corpo pintado: urucum e jenipapo
o cabelo encrespa no arbusto grisalho
tem furos na cara e no lábio,
com gemas verdes tintilando cascavel
um cajado com bucal de berrante
e os lábios estreitos, me beijando o anel
Serviu-me o nariz quando segurei a cotiara
Nas marcas de ferradura sorrindo
O maracá agita o gargalo de fumaça circulante
Faz o fantasma dançar muito além do raio que assombra
Na toca… empeçonha