Annita Costa Malufe (São Paulo, 1975) é autora dos livros de poemas Fundos para dias de chuva (7Letras, 2004), Nesta cidade e abaixo de teus olhos (7Letras, 2007), Como se caísse devagar (Ed.34/PAC, 2008), Quando não estou por perto (7Letras/Petrobras, 2012) e Um caderno para coisas práticas (7Letras, 2016). É doutora em Teoria e História Literária pela Unicamp e publicou os ensaios Territórios dispersos: a poética de Ana Cristina Cesar (Annablume/Fapesp, 2006) e Poéticas da imanência: Ana Cristina Cesar e Marcos Siscar (7Letras/Fapesp, 2011). Atualmente, é professora da pós-graduação (mestrado/doutorado) em Literatura e Crítica Literária da PUC-SP.
Os poemas a seguir foram selecionados do livro Quando não estou por perto (7Letras/Petrobras, 2012).
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o dia terminando
numa batida monótona
som monótono de uma
britadeira som de uma voz
que repete não estou entendendo
o que você quer dizer com
isso a vontade encontrar uma
frase que resuma todas as
imagens todas as
cenas que se acumulam ao
redor luzes que
descem por detrás de um
prédio imaginário
.
antes do sono chegar são seus cabelos
que se espalham sobre as pernas
as que não tenho mais antes mesmo
do sono antes as portas estão vigiadas a
solidez dos cadeados uma ressaca de mar
a viagem entre caminhos que a água cava
na areia o sal a vivência que adere
à pele antes do sono chegar estou acordado
perambulo novamente respondo a alguém que
me chama na rua em frente procuro
minhas pernas as que perdi entre águas o sal
a solidez que retorna calcário mar antes
são as imagens um mar de cabelos sobre
as pernas o sono interrompido
a resposta estou indo o poste queimado
na rua em frente a beirada de uma guia
seguir os caminhos fincados no cimento as pernas
onde estão onde você está quem
me chama na rua em frente no escuro da rua
em frente vigiada pelo poste queimado mesmo
antes do sono chegar desperto o corpo estaria morto
e como seria estar morto senão um gole o último
quando me penso morto
penso em alguém fazendo amor com você
quando não estou por perto penso
na solidez dos cadeados na necessidade de
perder as pernas embaixo dos lençóis
quando me penso morto
penso em alguém fazendo amor com você
quando não estou por perto
Charles Bukowski
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algumas palavras ficaram presentes
mais ou menos como acenar do banco de trás
vendo as grades em movimento horizontal
o horizonte era mais ou menos estes tubos
de ferro passando no meio-fio o movimento
das grades criando um filtro da paisagem
por detrás eram algumas palavras espelhadas
como um lago de espelhos a visão de um reflexo
d’água a composição de uma superfície filtrada
pelo correr das grades tudo mais ou menos
como acenar do banco de trás pensando
como será que me colocaram aqui para onde
me levam quem será que me observa quando
as tardes desenham um canto nítido tão
nítido quanto o deste sabiá sobre os fios
.
o que estou fazendo aqui
a pergunta vinha embrulhada
como um jornal embaixo do braço a pergunta
presa na altura da barriga a pergunta presa
a barra do metrô o cheiro de poeira de mijo
óleo ferrugem o cheiro de mofo umidade
o cheiro da umidade o que estou
fazendo aqui com este jornal debaixo
do braço este compromisso adiado esta
fome esta velocidade do trem levada pela
velocidade do trem a velocidade e as brecadas
súbitas o corpo pendendo para o lado
o peso do corpo ao lado e ao lado aqui
bem ao lado esta lembrança este quase esquecimento
algo que esqueci em cima da mesa
ou na gaveta do criado-mudo a gaveta a mesa ou
algum outro lugar o que estou fazendo
aqui qual seria este outro lugar este outro
cheiro outra velocidade outras notícias presas
embaixo do braço na pressão exagerada dos braços
das mãos que buscam agarrar prender
o equilíbrio do corpo todo em um ponto
só o corpo todo comprimido na barra de metal
o frio do metal e a outra velocidade de uma fala
quase perdida presa na barriga o que estou fazendo
aqui no meio dessas falas todas dessas palavras este mar
de palavras estranhas outra velocidade onde está a lentidão
de uma fala conhecida perdida um quase
esquecimento aqui o que estou fazendo qual seria
este outro lougar aqui mesmo qual seria o que
estou fazendo
aqui
.
onde termina o poema onde
um ponto de suspensão apenas
o poema não termina quando
a linha roça a beira do papel
tampouco a língua roça
aquilo que ela alcança
para além da página há
o poema imaginado sempre
uma imagem de poema
desfazendo-se afundando um
navio atracando-se no espaço
um navio a cada vez refeito mas
o corpo do poema não é
imaginário tampouco a
possibilidade de um limite não
há limite apenas limitação a
folha acaba a tinta acaba a
língua é ponto de desacordo
roçar a página ancorar mas
a cada vez apenas por um instante
este inacabado este
que nunca termina
.
me deixe ir era a moça que dizia me deixe
ir como estou assim mesmo pés no chão blusa
amarrotada deixe me deixe era a voz de uma mulher
lá longe muito fina aguda era um pedido ele
se amarrava a seus pés ele não a deixava não assim
a mesa posta para o café ela sabia que o tempo tinha sido
este não um tempo planejado mas simplesmente
este ela sabia que ele pedia algo impossível deixe-me
é simples mais simples do que se prender a uma
imagem eu sou apenas uma imagem adentrando
a janela a luz branca apenas uma visão preciso
partir assim mesmo de pés no chão os cabelos
desalinhados o tempo deste modo sobre nós
súbito como um evento banal corriqueiro deixe-me
a voz era fina suplicante ele não a deixava ir os braços
se atavam às pernas à cintura à pele de uma imagem
branca tão branca que não se via apenas ele a via e
a prendia mesmo longe um vapor mesmo sem o tato
o cheiro os pés os cabelos em desalinho os pés no chão a história
rompida pelo tempo súbito um farol passando numa esquina
a iluminação súbita do farol o vidro iluminado de relance
a visão o vapor ele se atava ela pedia deixe-me ir é simples
preciso ir estou indo assim mesmo como estou
os pés tocando de leve o chão à minha frente e após
.
o fundo verde do quadro toma a parede eram dias
como este eram dias de
fazer listas aguardar
o soterramento das figuras o
fundo verde do quadro
tomando a parede
Adorei o site, meus parabens!
mandaram benzaço !!!!!!!!!!!!!