Helena Borges: Peito do pé sobre peito (2019)

Helena Borges nasceu em setembro de 1993. Carioca, foi morar em Belo Horizonte em 2017 para cursar artes plásticas na Escola Guignard, hoje frequentando o sexto período, depois de pedir transferência do Instituto de Artes da UERJ. Experimenta diversas linguagens e temas no seu processo criativo, como pintura, fotografia, cerâmica, desenho e escrita. É fascinada pelos fenômenos misteriosos da existência e horrorizada com certos fenômenos sociais, temas que são recorrentes no seu fazer artístico e mágico.


Os poemas a seguir foram selecionados do livro Peito do pé sobre peito (Urutau, 2019).


POEMA DE UM EXISTIR INTEIRO


Nesta noite de domingo entro no ônibus e na janela estourada há cacos de vidro.
Eu os pego, não é?
Pedaço transparente todo picotado, em sua superfície desenham-se caminhos verdes, lagos, rios?

O caco de vidro está quebrado em 10 mil pedaços
tão pequenos
e genuínos
que possuem luz.

Com as minhas mãos preciso esfarelá-los.
(Não sinto-as mais
há tempos.)

Cada pequeno pedaço transparente todo picotado, em sua superfície desenham-se caminhos azuis, ruas, calçadas?

São fios de vidro.
Segurá-los faz cortes nas mãos
e eu sangro ao esfarelá-los.

Cada fio de pequeno pedaço transparente todo picotado, em
sua superfície desenham-se caminhos vermelhos, veias, artérias?

Esfarelo-os enquanto vejo os fios se misturarem ao sangue,
ao meu sangue grosso.
E já estou no centro?

O essencial é microscópico!

Cada micro fio de pequeno pedaço transparente todo picotado, em sua superfície desenham-se caminhos brancos, nuvens, frios?

A vida incontrolável captura o vidro transparente e desse existir inteiro não se sobra nada.
(Não sinto-as mais,
há tempos.)

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Isadora Krieger: Explorações Cardiomitológicas (2018)

Poeta e escritora, em 2018 publicou o livro de poesia Explorações Cardiomitológicas (Editora da Casa), semifinalista do Prêmio Oceanos de Literatura em 2019 e suplente no edital de residência artística do Sesc SC em 2018. Em 2017 publicou a novela O wi-fi da igreja é muito fraco (Editora Urutau). Em 2014 publicou o romance Memória da Bananeira (Carniceria Livros), o livro de poemas e fragmentos O Gosto da Cabeça, na coleção Poesia Menor (Publicações Iara) e a novela “Caráter Anal”, na coleção Boca Santa (Carniceria Livros). Atualmente trabalha na peça de teatro Amadeleite. Realizou oficinas de escrita em São Paulo, São Carlos, Belo Horizonte e Balneário Camboriú.

foto: Julieta Bacchin


Os poemas a seguir foram selecionados da obra Explorações Cardiomitológicas (Editora da Casa, 2018).


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só será possível escrever a carta desconsiderando entregá-la
só será possível escrevê-la desconfiando que tu já a lês
numa terra que antecipa os símbolos, indícios de incontáveis perdas e de alguma improvável luz
que guarda a palavra saudade, no cão que uiva incansavelmente à noite
como se soubesse, mas não aceitasse que o abandono foi inevitável, porque todos os abandonos são. e o que nos resta, e o que sempre restará, será a solidão do próprio reflexo
que guarda também a palavra paciência, na pedra apta a permanecer para sempre pedra e até propensa, e, inclusive, mais talentosa do que qualquer sacerdote, a nos ensinar o silêncio e a abnegação
que guarda, ainda, a palavra amor em estado primevo
no pássaro que aceita o ninho destruído pelo vento, e sobretudo, pelo toque humano – portanto inábil por natureza. afinal, por que as crianças se divertem tanto mirando estilingues contra o céu?
esta é uma das oitenta e sete perguntas que não te fiz, oitenta e sete respostas que não tive
mas não há alternativas
não há nem mesmo uma única alternativa (a não ser agir como cão, pedra e pássaro)
quando o estoque de velas foi gasto de maneira inapropriada
numa despedida que serviu para tudo
menos para dizer adeus.
só será possível entregar a carta imaginando-te velho, ainda mais velho do que quando te conheci
sentado numa velha cadeira
fumando um velho charuto
sozinho numa velha varanda
diante de uma velha paisagem
tão velha quanto a ideia de deus.

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Leandro Rodrigues: Aprendizagem cinza (2016)

Leandro Rodrigues (1976) nasceu em Osasco, São Paulo. É Poeta e Professor de Literatura. Já lançou os livros Aprendizagem Cinza (2016) e Faz Sol Mas Eu Grito (2018). Participou das antologias: Hiperconexões 3 – Carbono & Silício (2017), O Casulo (2017), Sarau da Paulista (2019), MedioCridade (2019) e 15ª Antologia SESC Carlos Drummond de Andrade (Brasília). Já teve poemas traduzidos e publicados na Espanha (revista sèrie Alfa) e nos Estados Unidos (revista Dusie Nº 21 da UCLA (Universidade da Califórnia)), também em diversos sites, jornais e revistas do Brasil e de Portugal.


foto: Jesse Navarro


Os poemas a seguir foram selecionados da obra Aprendizagem Cinza (Patuá, 2016).



O HOMEM DE PAPEL

Então acaba-se assim um homem
Num segundo – e já não existe mais.
O que fez; o que não fez – a tarde
O que faria; o que desejaria ainda.

Ponto final. Vira-se a página.

O homem é passado. Passou.

Recorte de recortes.

O livro fechado esquecido.

Mera ilusão. A noite
Empoeirada em estantes,
As revoltas (reviravoltas),
O sofrimento, a chama.

Sequer o adeus reservado.

Apaga-se.

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Arthur Lungov: Anticanções (2019)

Arthur Lungov é poeta e editor de poesia da Lavoura, revista de literatura contemporânea. É autor dos livros Luzes fortes, delírios urbanos (Patuá, 2016) e Corpos (inédito), que foi contemplado pelo 2° Edital de Publicação de Livros da Cidade de São Paulo; e da plaquete Anticanções (Sebastião Grifo, 2019). Foi publicado em coletâneas e revistas literárias. Foi curador convidado da Casa Philos na FLIP 2018, e na Cadeia Literária na FLIP 2019. Email para contato: [email protected]



Os poemas a seguir foram selecionados da plaquete Anticanções (Sebastião Grifo, 2019).



APESAR DE VOCÊ

através e aos arrancos os necos puxados feito patas rasgando o fino fio da mortalha desta eloquência de fragmentos que aderem à garganta como sufoco no escuro da glote tornada moela pra esmigalhar o elixir viperino jorro escarrado falido nesse choro seco e antecipado primeira condição dos dividendos vindos do samba penumbra vivaz que há de decretar o rolar de lágrimas como enormes rochedos a descer cascata punindo o grito empedrado de lado por suas invenções desmentidas.

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