Marcelo Torres: Saindo sem avisar/Voltando sem saber de onde (2020)

Marcelo Torres escreveu Vertigem de Telhados (poemas, 2015) e nadar em cima da rua (poemas, 2015) editados pela Kazuá, Páthos de Fecundação e Silêncio (poemas, 2017), Poemas tímidos e gelatinosos (2019) editados pela Patuá e Saindo sem avisar/Voltando sem saber de onde (poemas, 2020) editado pela Córrego. O autor nasceu em Pernambuco na cidade de Palmares no ano de 1984.



Os poemas a seguir foram selecionados da obra Saindo sem avisar/Voltando sem saber de onde (Córrego, 2020). Disponibilizamos também um breve recorte da recepção crítica da obra.



QUEM SABE

Na diafaneidade
do escuro
das alamedas
paulistas
teus olhos/lumes/linces
ágeis
atingem um passante
de relance
que não sabe
de suas recordações
começa um lance
aqui talvez
quem sabe
G./grifado
teu jeito na mesa
com uma bebida
como se fosse um raminho
manuseado para lavar
o corpo
tua boca/instalação rubra
dobradura/cerejeira
ressoa na semana
inteira
graça oceânica
em dias quase pacatos
eu tudo invento
madeiras multicoloridas
de meu barco/cenário
com o figurino
de teu perfil
o que queria – só por hoje –
aclarado
para não te estafar
era estar conglutinado
ao teu lenço/perfume
martelando a serenidade
das cabeças falantes

ALEGRIA DE DEITAR

É na vicissitude
bruxaria orgânica
sob a folha/noite
que o luzir
nos espera
deixa todos
à sós com a talhadeira
intratável
repousa sobre a runa
lastimosa
essa felicitação
pois não estás
no baile
cultuando astros
crespos lagos
as cidades
não são de barro
desbotadas
por suas unhas
acachapado
sob a forma rupestre
de teu sexo
toco-o
com a alegria
de deitar
em uma fazenda
de horizontes
inalcançáveis
não sei onde estou
nesse intervalo/júbilo
impreterível
reparos
na máquina/semântica
para tanto
tesão retido
ser longitude
no mapa-múndi

BAQUES


nomes desatados no espaço
há um satélite na sua mochila de guia
prático
imergir da pedra          onde houve a sangrada
o escuro é uma espada          onde amigos bebem cipó
se você me quer suba até aqui nas águas
barrentas
estamos na órbita fundidos
tu sabes do verso/colagem
das mulas/multas
quando passamos a noite no acordeão
baques
na ruela planamos como os átomos
não acordemos          para essa tarde
acanhada

NEOLIBERALISMO

ando querendo em repouso
tocar fogo como fizeram com o prédio
criminalmente
incendiar as partículas aristocráticas
arreganhadas para o mercado
restringido
quem fez os lados nesse país de agudas
maldades?
não partilhe          a carícia
se não tem          a disponibilidade das ruas
chegaram cedo para ceder-me
esse parco prato/neoliberalismo
canibal
trafego na madrugada sem o volante na mente
te achei bonita          distante da lida
maquiavélica
teu carma é um farol sobre uma cerveja
batizada
vou com calma mijando nas certezas
as horas imaculadas          avançam espetadas
você tentou me ensinar uma meditação
onde regressava dançando dentro de uma ilha
inflamada



Sobre o livro: Saindo sem avisar/Voltando sem saber de onde

“…Sua poesia poderia ser considerada ativista sem “questões de ordem”, levando consigo um saco cheio de fracassos. Assim, esfarelado, não se propõe a “ganhar biscoitos”, nem dar receitas de amar-trepar.  Marcelo Torres é decididamente imperfeito, conscientemente contraditório…”


Mônica Rodrigues, performer, atriz, educadora. Mãe e macumbeira.

“Nestes poemas alguns eus líricos estão em guerra aberta contra suas próprias figurações, sou contra qualquer ideia de um eu que não se dissolva ainda que por instantes em seus contrários. Mutações do erotismo no sentido que Bataille deu ao termo, de aceitação inclusive dessa dissolução. Diálogo-dissolução, eis um dos vetores dessa poética que é energizada pelo erótico sem abrir mão de uma tanatologia da existência amorosa e de um certo elogio da imanência possível…”

                                                           
Marcelo Ariel, poeta


Primata

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