Claudio Daniel: Cantigas do Luaréu (2022)

Claudio Daniel, pseudônimo de Claudio Alexandre de Barros Teixeira, é poeta,
romancista e professor de literatura. Nasceu em 1962, na cidade de São Paulo (SP).
Cursou o mestrado e o doutorado em Literatura Portuguesa na Universidade de São
Paulo (USP). Realizou o pós-doutoramento em Teoria Literária pela Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG). Foi diretor adjunto da Casa das Rosas, Espaço
Haroldo de Campos de Poesia e Literatura, curador de Literatura no Centro Cultural São
Paulo e colunista da revista CULT. Atualmente, Claudio Daniel é editor da revista
eletrônica de poesia e artes Zunái, do blog Cantar a Pele de Lontra
(http://cantarapeledelontra.blogspot.com) e ministra aulas online de criação literária no
Laboratório de Criação Poética, curso realizado à distância, via internet. Publicou
diversos livros de poesia, ensaio e ficção, entre eles Cadernos bestiais: breviário da
tragédia brasileira, Portão 7 e Marabô Obatalá, todos de poesia, o livro de contos
Romanceiro de Dona Virgo e o romance Mojubá.



Os poemas a seguir foram selecionados do livro Cantigas do Luaréu (Arribaçã, 2022).




O BOTO

peixe-cachorro
das águas
claras do rio
belo-belo
como a espuma
das águas
claras do rio
a lua nova
sobre o capim
molhado
a flor vermelha
nos cabelos
da guria cunhã
ele, o pira-
iaúra
vem das águas
fundas
do igarapé
com cara
de macho
pintudo
ele, o piraiá-
guará
vem das águas
fundas
do igarapé
com ares
de moço
bonito
vai para as festas
onde dançam
as cunhãs
bebe cachaça
sob os luares
onde dançam
as cunhãs
ele, o peixe-cachorro
das águas
claras do rio
agora é moço
bonito
e dança as danças
que dançam
as moças-cunhãs
cunhatãs
leva as moças
para a mata
lá bem perto
das águas
claras do rio
e dorme com elas
sob os luares
verdes da mata
lá bem perto
das águas
claras do rio
e faz amorzinho
uma, duas, três,
quatro, cinco,
seis vezes
até voltar
a ser bicho
boto-tucuxi
peixe-cachorro
golfinho encantado
das águas
claras do rio
e as cunhãs
agora prenhes
choram, choram
lágrimas de água
que somem
nas águas
claras do rio.

2020


URUTAU

Para o Carvalho Junior

ave da noite
olho da noite
em nãos
de nunca mais
olho amarelo
nos fumos da noite
lua amarela
em nuncas
de nada mais
emenda-toco
de unhas curvas
uruvati, urutaguá
canta os pedaços de mim.

dito kuá kuá
dito pássaro-
princesa
canto de arame
e arranha-tripa
se acaso
se entremostrasse
no último infinito
do fim
esfumado
entre agapantos
e alamandras
entre os pedaços de mim.

uruvati
come-morcegos
urutaguá
come-lagartos
onde está
o meu eu
oh mãe-da-lua?
onde está
a minha ela
oh pássaro-
fantasma?
no último
fim de mim?

O que canta
no galho
transforma-se
em galho
o que canta
no tronco
transforma-se
em tronco
canto tonto
nos entornos
do sem fim
repercorre ângulos
no mais rascante de mim.


2016


CUCA

ela vem
num pé-
de-vento
quando
a lua
amarelece
lá no céu
ela, velha
papona
mulher-
jacaré
senhora-
dragão
ela vem
num pé-
de-vento
maga magra
megera
com capa
e capuz
entra
pela janela
no escuro
da negridão
e quer levar
o menino
para assar
no seu fogão
e quer levar
o menino
para o jantar
no casarão
ele será a boia
para o bucho
da bruxa
o cozido
no caldeirão
por isso
cuidado
com a cuca
quicuca-ticuca
corica-corumba
cuidado
com a senhora-
dragão
dorme, menino
que a cuca
vem pegar!
por isso
dorme, menino
que a cuca
vem pegar!
ela, a velha
de manopla
e cabeçorra
a feíssima
de peitos
caídos
até o umbigo
e dentilhões
terríveis
terríveis
terríveis


2020

Primata

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.