Lilian Aquino: daqui (2017)

Lilian Aquino nasceu em São Paulo em 1979. É autora de Pequenos afazeres domésticos (Patuá, 2011) e Daqui (Patuá, 2017, Bolsa ProAC de criação literária).

foto: Diego Jock

Os poemas a seguir foram selecionados do livro Daqui (Patuá, 2017).
 

 
PREMEDITADO
 
 
Saí de casa adulta
pra morar na rua
quer dizer
não exatamente na rua
asfalto ou calçada
Moro no telhado

Eu, os gatos, o violinista
nessa inclinação boa
acima do edifício
Aqui, nada de sonhar
e a água escoa

ADVERTÊNCIA

Convém que você conserve
a pele grudada,
cobrindo os ossos.
É preciso – cada vez mais
e mais –
esconder o esqueleto.
Na madrugada
os ossos ficam querendo
se descobrir, se mostrar.
Mas mantenha-os
quentes.

CARNAVAL

Ossos queimados a altas temperaturas. Depois de tanta vontade de dançar sob uma luz indireta, certamente é preferível guardar as mãos fora do alcance. Catando, em meio ao palheiro, algumas agulhas, se comprova que o sentido consiste em macular os tecidos e fazer germinar o tempo. Ora, um baú nem é uma boa imagem, mas é muito decepcionante não encontrar nele nenhuma fantasia. Na quarta-feira, no alto da testa há uma mancha do que poderia ser o pó dos ossos.

TUDO AQUILO QUE CAUSA ARREPIO

é como o desabrochar
da loucura
dedos cruzam
fronteiras
esfomeados
unham a pele
fendem um corpo
(então)
abandonado
à beira do precipício

e não há quem seja
capaz de silenciar
seu ruído

BALADA DE UM HOMEM COMUM

                           para Stefanni Marion

O letreiro neon
acende a palavra “saída”
Você está com a lata
de cerveja na mão
olha o relógio no pulso
olha o neon à esquerda
Uma hora antes
dançava desembaraçado
as pernas e os braços
certinhos no compasso
Duas horas antes
você e
seus amigos
sua namorada
seus desconhecidos
participavam do jogo
com regras
coladas nas pedras
Antes bem antes
pagava a entrada
o couvert
a consumação
no guichê n. 3
O letreiro neon
acende a palavra “saída”
e agora dois seguranças
te agarram pela gola
– e te apagam