Pedro Moreira: Malemá (2021)

Pedro Moreira (1995) é poeta. Autor de Malemá (2021), publicado pela Editora Patuá. Colaborou com as revistas Subversa, Mallarmargens, Desenredos, Bacanal, entre outras.

foto: Shay Lenis de los Santos Rodriguez



Os poemas a seguir foram selecionados do livro Malemá (Patuá, 2021).




O RELÓGIO


Quando eu tinha cinco anos
minha tia me chamou
e disse: — que horas é você?

Eu entendi mas era pequeno
meus olhos eram como ponteiros
olhando para ela
em taque tique em vez de tique taque

Devolvi a pergunta na mesma cor:
— que passeio é você?
mas ela respondeu que não sabia

Me pegou no colo
com todas as horas que lhe restavam
falando como eu tinha crescido

Eu entendia mas era pequeno
— que relógio era eu?



RÉSTIA DE LUZ


A canequinha
de alumínio amassado
reflete o sol
de ponta cabeça

Não presta beber
água olhando pro sol

Mas a cachaça tudo bem
pois ela corta o efeito da luz

E revela um poço fundo
dentro do corpo.



CURUPIRA


quando estive/ olhos nos olhos/ com todo aquele concreto/ repetindo-se indefinidamente,/ minhas mãos pararam de suar/ e eu era um deserto finalmente./ olhar pela janela foi me prender./ temi são paulo,/ temi belo horizonte,/ temi porto alegre,/ temi curitiba./ contudo é mais trágico/ olhar o passado/ e não enxergar/ mais sorrisos melodramáticos,/ gargalhadas escorregadias./ e ver que fui medíocre/ e distante./ como um curupira do tempo/ vivo com os olhos na nuca./ vejo os mortos que me seguem, / pálidos./ ó anne carson, você sabia!/ viver com as vistas para trás/ é obedecer aos mortos/ muito mais do que ao dia. / já não vejo as nuvens/ mas adivinho uma forma de conselho/ nas névoas que acompanham/ suas aparições.


EXPEDIENTE


preto
é o mundo
que o branco
acha que acabou

branco
é o mundo
que o preto
tem que consertar
depois do expediente
e nos fins
de semana

o expediente
de todo preto
é sobreviver
no inferno

na hora do almoço
o branco descansa

na hora do almoço
o preto finge que comeu.

Primata

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