Publicitária e poeta paulistana, atualmente em Curitiba. Autora dos livros Ruelas profanas (Nankin, 1999), Meio-fio (Iluminuras, 2003), Sopro de vitrines (Alameda, 2010), Refrão da fuligem (Patuá, 2013), Bocas de lobo (Patuá, 2015), Alla Prima (Patuá, 2019), além da plaquete O pão (Lumme, 2017). Organizadora da antologia MedioCridade (Laranja Original), ao lado do poeta Rubens Jardim. Participação em diversas antologias e revistas de literatura do Brasil, Portugal, Espanha e Moçambique.
Os poemas a seguir foram selecionados da obra Alla Prima (Patuá, 2019).
DIÁRIO DO DIA
O dia chega aos trancos, nas presas da serra elétrica.
Com negra gordura vela o semáforo, britadeiras
latejam no chão difícil. Detém-se no arranha-céu.
E empilha suas dentaduras de prata.
Chega estridente. E vocifera, e machuca a manhã
de tímpanos frágeis. Na chaminé desabafa,
mistura gel e fumaça – penacho de pressa
nos cafés expressos.
O dia saliva nas filas. No comedouro do meio-dia
e meia, onde a carne esfria; e se requenta
em banho-maria.
E desaba. E pisoteia letreiros, esquinas desencantadas.
E se enrodilha nas placas como fio embaraçado. E se
estica, e se espicha e esgarça
meu coração aos soluços.
Enfim o rapto da noite – ascende em bicicletas
e pombos recolhidos – na praça dos meus lagos,
onde enterro o céu no chão.
ÍTACA
e voltamos para casa
céu abarrotado
de cetáceos debulha
a chuva da semana útil
mar de guelras ardentes
cardume de ruas e avenidas brutas
a tarde exige naufrágio
aço é o rochedo
sereias cantam na poça d’água
INSÔNIA
o ventilador
ele é a hélice de deus
tudo o que toca é a opus do vento
godivas enfunadas na cortina
a asa do ganso reclusa
nos travesseiros, felpas
falenas, tapete ao lado da cama
com franja
e
vocação para mágico
RUA DE COMÉRCIO
oblíqua
talvez acalcada
por sapatos baixos
(quando manequins entopem vitrines
às quintas e às sextas e todos os dias)
ou a tenha colorido
o riso do exu
pendurado nos cabides
a nos empurrar o mundo
pela garganta