Laura Navarro

Laura Navarro nasceu em São Paulo em fevereiro de 2000. É fascinada pelos celtas, pelas bonecas russas e, principalmente, pela linguagem, que ela define como “exercício criativo, social e, sobretudo, corporal”. Em 2016, publicou o livro Clair de Lune, pela Editora Patuá.

 

laura navarro

 
 

MATRYOSHKA
 
No dia do meu aniversário
Tu me deste uma dessas bonecas
Que eram várias
Dentro de uma
Como mãe e filha
Como alma e corpo
E, como eu,
tu disseste.

Elas sorriam, elas choravam
ao mesmo tempo
E conforme elas iam ganhando vida
Eu ia apodrecendo
Quem diria,
Uma boneca animando
humanos
Como uma menina brincando
de barbie?

Você sabe, eu guardava
As pétalas das rosas
que eu você me dava
dentro delas
Como se fossem vasos

E eu as carrego comigo
Como uma mãe que carrega
suas filhas
A diferença é que
A mãe é a matrioska, não eu

Aliás, se eu tivesse uma filha
Queria que essa boneca
fosse a parteira
assim como eu
em todos os partos dela
E que o cordão umbilical de minha menina
Fosse guardado dentro dela

E, quando eu morrer
Eu só peço
que a maior delas
seja enterrada comigo
E que coloquem as outras
Ao redor de meu túmulo

 

 

RIDÍCULO
 
Viver é ridículo
Assim como as cartas de amor
de Fernando Pessoa
Que por acaso eu nunca li
Das quais o mesmo atirou
Às ondas do mar

Onde um dia iria me afogar

Cri que fosse necessário
Deixar de ser ridícula
Como a vida
Que é tão ridícula ou até mais
Do que a não vida
Porque ao matar a vida
Mata-se o ridículo
E então você deixa de sentir
O ridículo

Mas, sob o mar e as ondas
de remédios e lágrimas
Havia um vulto azulado
Também ridículo
Ridiculamente bonito
Como cachecóis enrolados
Ou o Sol num dia frio
Eu não sei exatamente
Embora tenha tomado uma decisão
A decisão de ser ridículo
De ser ridículo
Para o resto da vida
Vida essa que não acaba amanhã
Mesmo sendo ridícula
O epítome do ridículo
Dizem
Hoje é o primeiro dia do resto da sua vida
Ou
Dias melhores virão
Mas, infelizmente, não virão dias melhores
Porque todos os dias na Terra têm exatamente vinte e quatro horas
E são exatamente iguais
Só que, felizmente,
Pode-se escolher se tornaremos a vida mais ridícula do que já o é
Afinal
Viver é ridículo

Ridiculamente bonito

 
 

AMÉRICA LATINA
 
Me faça mujer
Como las putas de Colombia
Como a carne
dos açougues argentinos
Ou as mulatas do Brasil
Ah
Me faça révolucion
Como as cubanas
Que dançam em volta do fogo

Me faça Madura
Como as crianças
da Venezuela

E me faça fria
como as brancas neves
descendo as montanhas chilenas

Mas me faça caliente
Como as niñas
Cheias de vigor
Do México

Porém, lhe peço
Não me faça triste
Miserável;
Descartável
Como os prédios caídos
As veias abertas
As putas não pagas
E o choro não escutado
Da América Latina

Primata

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