Josely Vianna Baptista (2017)

Josely Vianna Baptista é autora dos livros de poesia Ar (1991), Corpografia (com Francisco Faria, 1992), Outro (em parceria com Maria Angela Biscaia e Arnaldo Antunes, 2001), Sol sobre nuvens (2007) e Roça barroca (2011), além da Fábula. NADA ESTÁ FORA DO LUGAR. Poema arborescente, plaquete recentemente lançada pelo selo Demônio Negro. Nos anos 1990, criou a coleção Cadernos da Ameríndia, dedicada a temas do repertório cultural e textual de etnias indígenas sul-americanas.

Os poemas a seguir foram selecionados a partir da coleção Antologia postal, belo e importante projeto da editora Azougue, em parceria com a Cozinha Experimental, que publica mensalmente, por assinatura, expressivos nomes da poesia brasileira contemporânea.

 

 

 

ROÇA BARROCA

As almas são visíveis em forma de sombras.
Da religião Guarani, via Schaden

 

viu o primeiro sol
depois do inverno
desembrulhar, folho por
folho, os rebentos

em cada greta
e grumo
do terreno
foi descobrindo
grelos
e vergônteas,
ocelos verdes
e outros
arremedos

no alfobre
farto de bolor
e mofo,
sobre os sulcos
cheios
de refolhos
– em cada covo
um eco de silêncio,
a própria sombra
um paroxismo
de roxos

 
 

REFRACTA

 
para Vera e Milton,
meus pais
 

o
segredo
do
abraço
está
na
graça
de
quem
faz
o
agrado
__
água
recortando
o
nado
de
um
peixe
sem
deixar
rastro

 
 

29 DIAS

 

restos de flores de goivo,
gomos e lábios vermelhos
– o lento engenho do jogo
no começo dos afagos

(sobre o leito frondoso
o alvorecer poento
encontre os noivos reclusos
dentro do próprio desejo)

dedos trêmulos e beijos
sobre seus cabelos negros
– lampejo sombrio do gozo
no fôlego dos abraços

(junto aos latejos do fogo
o poente poeirento
encontre os noivos desnudos
no assombro do silêncio)

restos de flores de goivo
sobre seus cabelos negros

 
 

OSTRO

 

[…] recorremos aquel lago bermejo,
de condenados sitio doloroso.
Dante, via Roa Bastos
 

sigo o trilho estreito
entre verdes e pretos
que o escuro confunde
no arvoredo

vejo, entre os tufos
o rio turvo, seu rumor
salobre entre arbustos
o leito fundo
que desce
lento

insetos secos
e gravetos

no veio brusco
em que os juncos
emboscam
ciscos e detritos
de novo encontro
(sono sombrio)
os círculos de lodo
em teus olhos
o contorno tosco
de teu corpo
sem nome

(o rosto
um esboço fosco
de barro e emplastro
de borra e mosto
– hibiscos
murchos
estames
hematomas)

 

 

 

Primata

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