Casé Lontra Marques nasceu em 1985. Mora em Vitória (ES). Publicou Movo as mãos queimadas sob a água, Saber o sol do esquecimento e Mares inacabados, entre outros. Reúne o que escreve em caselontramarques.blogspot.com.br.
Respiração extática
— A — CORPO DE CONTENÇÕES:
Não me afasto da sua fala,
do sulco
na safra da sua fala
(enquanto
resisto ao emparedamento)
encontro
na sua voz uma vibração
longínqua
mas luminosamente tensa:
uma
vibração indecisa
sobretudo
quando adversa:
como conviver
com
a velhice — a minha velhice —
que
não quero decrépita?
cauterizar
as feridas que catalisam
a fossilização
(contra os rumores
de
seus remorsos)
repudiar
as pedras com que preenchemos
a boca
eliminando
as cinzas
de
nossa subsistência?
— B — CORPO DE CONFLUÊNCIAS:
Recebemos a noite sem pressa
agasalhando
os gestos que se revezam
nas
guaritas de uma infância atônita
prestes
a condescender com a herança
alheia
à anemia — quase mútua —
cujas
siglas nos amparam
em meio à afasia?
numa
intimidade inerte — mas implosiva —
reavivaremos as lesões
das línguas
que
nos aliam
ao atordoamento
— não
ao pânico — difuso —
de que somos
o
combustível
de novo
propício?
as lesões das línguas
que incendeiam
órgãos
antes inexistentes
(diante de uma ameaça menor:
a certeza
de que nada nos invade
— exceto os sons
de
que nos ausentamos —
quando
não estamos aflitos)
— C — CORPO DE COMPULSÕES:
Posso nos descrever — da mesma maneira —
como
se estivéssemos apenas
a recordar quantas manhãs
foram
modeladas para que se suportasse
a insônia
que tanto respeitamos
quantos modelos
desenhados, quantos moldes
destruídos
porque não se adequaram
ao
cotidiano
a que nunca nos adaptamos
— imune
à miséria — o que responderia:
continuaremos
a nos proteger
da contaminação?
rondando a morte
(sem
identificar a nossa ossada)
perdemos
um
pouco mais
do pavor
de
nossas palavras?
rondando
a morte conseguiremos
recepcionar
o cadáver que antecipamos
com
exigente
empenho?
ainda
que se prossiga —
já atingimos
— por
precaução —
a indigência?
— D — CORPO DE CONTINGÊNCIAS:
Até que nos erguemos sobre o estrado
onde resgatar
as raivas que escavam a superfície
das meninges
(adiando
as defasagens do desamparo)
como a solidão
que
nos antecede
— calados, convalescemos? —
apesar
dos atos que nos reúnem
(turvando
a oscilação dos obstáculos)
recorremos
aos
eventos do passado
sem regressar
ao
presente dos eventos
que nos surpreendem
com
uma carência
inexpressiva:
quando o tempo não mais nos distrai
traímos
a concentração que desidrata
o fôlego atraindo
— para
longe do tempo —
o tempo que se contrai
quando
apresentamos
ao tempo (que os lapsos estendem)
um
outro desconforto
quando
dispersamos
— por
murmúrios —
o rosto
contra a atrocidade
de
um tempo que não perturbasse
as têmporas
onde
persistem pelo menos os destroços
latentes
de uma dúvida
atenta
(seria
insuportável a insuficiência
se o signo
que nos origina
não selasse
com
o nosso desaparecimento
a
sua assinatura)