Juliana Bernardo é poeta, taróloga e mochileira. Publicou Carta Branca (2011) e Vitamina (2013), ambos pela Editora Patuá. Desde 2012, organiza saraus, festivais independentes e rodas de conversa sobre escrita e publicação. Cursou Filosofia, na USP, e coeditou a Coleção Edições Maloqueiristas (2014), que reuniu 26 títulos entre poesia, ficção e teatro marginal. Escreve sobre as medicinas da floresta, e edita em casa seus livretos sobre bruxaria e sobre candomblé.
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Os poemas a seguir foram selecionados do livro Vitamina (Editora Patuá, 2013).
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sou criança. ganho de presente um coelho e um lápis. o lápis para
desenhar o destino do coelho. nas páginas grandes do livro em
branco rabisco planaltos ensolarados e um enorme gato laranja,
eletrocutado de alegria. no verso desenho um campo que lembra
o jardim das delícias. a cor vai correndo atrás do que o lápis traça.
o livro foge do meu controle. o coelho é verde.
POR MARES NUNCA DANTES NAVEGADOS
(INVOCAÇÃO)
Camões,
a poesia é uma quitinete
sem porta sem janela
me ensina, meu velho
com teu olho cego a olhar
através dela
VITAMINA
falo do espírito
essa veia mulata verde ancestral
que a fé mapeia e transfere
falo do mar
e seu balanço de abismo
seu coquetel de amor azul
falo da alegria
e sua navalha florida me fabrica
uma persiana na barriga
A PERSISTÊNCIA DA MEMÓRIA
era uma vez um dia
em que os graus não paravam de subir
e nós fugimos do trampo
tomamos sorvete
tiramos a roupa e corremos
pro chuveiro pras praias mas os graus
não paravam de subir, meu deus
suávamos um suor ancestral
e a vida virou um tsssss de pão na chapa
e como não tínhamos mais nada que tirar
botamos a alma pra fora
.
tempo tempo
invenção elástica
malandra dádiva
.
o avesso de Julieta
tem sangue tão doce
que um tris do punhal
pôs as abelhas em transe
.
a quem diz que mulher nasceu pra esperar
respondo que mulher nasceu pra se atrasar
os quinze minutos de praxe
e pra chegar no ápice
como se escalasse o Everest num lance
e o ar rarefeito lhe desse o feitiço
de viver no transe
entre chegar e não chegar
no trânsito
entre depois e já
mulher nasceu pra fazer a mala
e partir sem se explicar
LÁGRIMAS NOS DENTES
estacionou a lua na esquina
entrou no ap pela porta fechada
reconheceu os bichos renomeou os livros
sem uma palavra
me abraçou com os olhos
me amou com a testa
beijou outros com a mão
se despediu depois
com lágrimas nos dentes
vestiu o paletó de estrelas
saiu pela janela
levou a lua embora