Luís Perdiz: Visão incurável (2018)

Luís Perdiz publicou os livros Saudade mestiça (Patuá, 2016) e Visão incurável (Ed. Lab: Demônio Negro/Hedra, 2018), que integra a coleção Vozes contemporâneas, coordenada por Claudio Willer.

Cantor e compositor no grupo Estranhos no Ninho, é também um dos fundadores e editores do portal de literatura Poesia Primata e da Editora Primata.

Nasceu em Campinas (SP) e prepara seu novo livro, contemplado com Prêmio ProacSP de Criação e Publicação Literária.




Os poemas a seguir foram selecionados do livro Visão incurável (Ed. Lab: Demônio Negro/Hedra, 2018).




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NENHUM JARDIM


nenhum jardim
cadência turva
poças de espera

nenhum jardim
extermínio rente
seiva expatriada

nenhum jardim
marchas financeiras
casos isolados

nenhum jardim
florescências sagradas
aqui pisoteadas

nenhum jardim
quinhentos anos
não bastaram



LENDA

juntos no fim dos tempos
povoado por guepardos e mediterrâneos
dançaremos febris sobre as sucatas da história

amor marítimo entregue a novas terras
caravela ensolarada contrabandeando
ervas inseguras
e a visão incurável de selva e morte


PRESSÁGIO

onde as ruínas virarem atlas
enchentes antidomésticas
brumas insuportavelmente belas

cicatrizes silvestres
do instantâneo ao eterno



NEVE


em seus cabelos embranquecidos
gaviões sublimados se arrastam
possuídos nos lagos e leitos da seda
oferenda de urros e lastros
ópio disperso das unhas aos lábios



VISÃO 2018


ó cidade estratosfera bélica
de cruéis vértebras nascentes
de clementes coturnos fascistas
de legiões mumificadas em torrentes
de guilhotinas no seio da mata
de fatais condores insustentáveis
de mansas hemorragias antevistas

não posso com o sol em seus granitos
nem suportar fora de curso
seus remotos antros doutrinando o desespero
estarreço esmaeço eclodo arrebatado
aquietado ao lado de anjos abrasados


ALUMBRAMENTO


em determinado momento
você incendeia a primavera
funde profundas faunas

cachoeiras esquecidas
pupilas noturnas em edifícios
deságuam o espírito dos lírios

alquimia silenciosa
o pântano da pele
orvalho sobre orvalho



FONTE OCULTA



vislumbro a fonte oculta
avisto a animalidade
da possessão palpitante

ninfas e pavões
se estendem reverdecidos
neste incessante corte
inscrito no espaço

fervor em riste
para que o encanto dure


EXÍLIO


acidentalmente só
desabrigado do eco
sitiado por algas apressadas

respira apenas o ensaio
de beijar o navio em chamas



PRECE



deus me proteja do som
e da esgrima carnívora do dia
escalavrada fremente bárbara
que avança atônita e fere
a tudo e a todos
neste mar soterrado
por vidas em aquários



PINTURAS DE GUERRA


I

o ermo caçador
à véspera da batalha
verte iluminação


II

olhar tigrino crucial
jejum arisco
entre listras delicadas


III

estado de graça
joia extrema
suspensa pela jugular


IV

urgência mortal
implacável vereda
temporal adentro



GALOPANDO NO MAR ESCURO


galopando no mar escuro
antecipo anestésicos extremos
absintos cegos
orgasmos amargos

reencontro a hidra
e velejo pela hipnose
da maresia vampira

meu antebraço exausto
efêmero e desregrado
lateja entre suas presas



NOVO TROVÃO


I

pontualmente em meu peito
um novo trovão alucinado
eletrocuta a noite
finca o cerne das cores
prega meu sangue com outro
feito de miragens
espasmos
luz


II

juntos somos nômades
almas assassinas
vagando as avenidas
à espreita do brilho



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