Luís Perdiz publicou os livros Saudade mestiça (Patuá, 2016, menção honrosa Nascente USP) e Visão incurável (Ed. Lab: Demônio Negro/Hedra, 2018), que integra a coleção Vozes contemporâneas, coordenada por Claudio Willer.
Cantor e compositor no grupo Estranhos no Ninho, é também um dos fundadores e editores do portal de literatura Poesia Primata e da Editora Primata.
Nasceu em Campinas (SP) e prepara seu novo livro, contemplado com Prêmio ProacSP de Criação e Publicação Literária.
Mais poemas e informações em: http://www.luisperdiz.com.br/.
foto: “Vibe”, Larissa Tanganelli.
Os poemas a seguir foram selecionados do livro Saudade mestiça (Patuá, 2016).
MIGALHAS
os monumentos são zoológicos do medo
violentas cortinas rasgam a noite
preciso de distinção nos dentes
instantâneos que não mordem
o jardim de apuros
onde nossas garras desaprendem o espaço
TEMPLO
nunca intacto
repouso nesta superfície de cascalhos
sonhos aprendidos sob o hálito da terra
lágrima primata incrustada na labareda
planície viva do princípio
tarde marmórea por onde encontro
suas coxas quentes
secretamente solares
A HORA DA PANTERA
I
o meu amor meu bêbado amor que ruge
na órbita tenaz de cabelos e orquídeas
no subterrâneo vicejante da floresta do tesão
o pantanal dos olhos trespassa a senha dos ciclones
desarma o fogo e o laser dos saguões cinéticos
e com seu batom negro devora o próximo planeta
II
o meu amor meu vertiginoso amor que salta
pelos viadutos abismos arvoredos farpas
dilacera o aro do tempo com patas atômicas
arranha verbos vorazes na espinha das almas
ressurge ofegante no sofá-cama escarlate
luzente entre gozo e caos
CORAGEM
ou morram de coragem
a coragem rupestre
a coragem que dança
sombra de algum néctar rasante
porteiro do insaciável
se aproximem
o campo é de memórias
não há mais cosmo para o corpo
só dias para seu suor
quem irá se rebelar na maré do instinto
arranhar a miragem abismal em seu canto mais livre?
coragem que serpenteia e nada estanca
a noite espiral
talhada na couraça derradeira
INDOMÁVEL
retenho as cores
esqueletos floridos
e suas escamas azuis de liberdade
tempo de lobas
respiração no círculo de incensos
precedem a seda
a epilepsia do tato
um leque na tempestade
a realidade
enfim apreende
ESTADIA
sempre na sua casa
os vitrais se entrelaçam
as teias desnudam o tempo
as peles se dissolvem
meu alicerce mais valente
assiste o horário
VENTANIA
pelas florações do milagre
pelos órgãos do universo
pela paixão pré-histórica
pelas espécies das luzes
a árvore dança
irriga a carne dos deuses
e o sangue do sol
avigora o vulto da onça
umedece a força feminil dos frutos
em sua adolescência boreal
entre pétalas viajantes
carrega a cura da própria voz
FUTURO EM FÚRIA
todos os eletrônicos sagrados ruíram com cócegas
têmporas lapidadas se derreteram em química miragem
viveram pólvoras por detalhes
retalho pelo retalho em amarga voz
semblante animal lívido próximo à porta
sonegávamos entreabertos as sirenes do teatro lógico
o dia mastigado no bolso anterior
cada entulho vespertino em sua espécie ávida
vapores e capacetes abandonados no esgoto
éramos dois esqueletos momentâneos do destino
numa carne viva e suntuosa
esperando esperança
PLAYGROUND
o que mais me relevava naquele
playground vazio
era o silêncio
igual ao meu
infância fantasia atravessada
merthiolates colos contrastes
amigos imaginários
todos eles filhos únicos
ensimesmado
pressentia sons de macondo
outras partes longas
indefinidas
longe do baile de minotauros