Marcelo Torres: Infernos Fluviais e Por que nunca conversamos sobre Nick Cave? (2023)

Marcelo Torres publicou: “Vertigem de Telhados” (poemas, 2015) e “nadar em cima
da rua” (poemas, 2015), editados pela Kazuá; “Páthos de fecundação e silêncio”
(poemas, 2017) e “Poemas tímidos e gelatinosos” (poemas, 2019), editados pela
Patuá; “Saindo sem avisar/Voltando sem saber de onde” (poemas, 2020) e “Tu és isto
e mais dez mil coisas” (poemas 2022) editados pela Córrego. O autor ainda tem
poemas e textos publicados em antologias, revistas de literatura e cultura no Brasil e
no México.

É um dos criadores do Canal Clóe de entrevistas com poetas brasileiros, que traz, de
forma independente, um dos maiores panoramas audiovisuais da poesia
contemporânea. É também editor na Editora Clóe.

Atua como gestor cultural há mais de uma década e é mestrando na Unesp na linha
de pesquisa de processos artísticos, experiências educacionais e mediação cultural.

Nasceu em Pernambuco, na cidade de Palmares, no mês de março de 1984.

foto: Leandro Rondão

Os poemas a seguir foram selecionados do livro “Infernos Fluviais e Por que nunca conversamos sobre Nick Cave?” (Clóe, 2023). OBS: A formatação dos poemas no livro é diferente, indicamos a compra no site: www.editoracloe.com para acesso ao formato original criado pelo autor.



INFERNOS FLUVIAIS

Comunicação com o inferno fluvial

No meio do mundo não ando. Espero-me fora de mim. Rumo a ti que não se comove,
feito nave na minha curva sem atalhos.
Aprendi a ter a paciência
de bicho nas horas que me calo. Na cadência da turva água que me arrasta
junto ao teu lugar de escrita/máscara minha sujeira espacial. Quem aqui escala
ouve o que não existe na penumbra da margem,
falo das incontidas letras do sexo,
da solidão/lodaçal que dizima, não como enigma,
mas como lastro na pele que se solta no banho. Há atrás um castiçal de nervos.
Dramas filmados em um quarto/aquário,
com belos atores nas cadeiras de esmalte enfileiradas como garrafas.
Rolo na cama te vendo submersa em um manancial.

VIAJAR E ATREVER-SE


ser

pode o ser nas tradições orais ir além das estruturas
feito um pássaro cortês da diversidade,
ser um animal aqui perto do coração,
não podemos ir adiante enquanto os gigantes mamíferos
são destruídos em alto mar
como conchas pisoteadas por estátuas,
continuar a mimese é o que chamo de obsceno,
os homens predadores sorriem junto com a morte
sem vontade para o debate ecológico,
seguem a lógica de conquistar territórios, de touros de ouro
na Faria Lima sem sonhos,
à medida que ando, o urbano me fere na vesícula
que reproduz em 3d a fome sem enfeite
ontem encontrei uma garota/totem,
procurava um guia com jipe, para ir na direção das cavernas


PEQUENOS BUDAS DO NORDESTE


Talvez seja assim
você se afasta sofrendo
têm duas mãos trêmulas juntas
com elas pode tocar
o outro que não está
nem na rua
nem na padaria
és o cacto
que organiza
os pensamentos do dia


IDEIAS SEM CANTARES OU POESIA DA REVOLTA


poema – 2 de 15 ideias ou da mensagem sem cineastas

espero nunca ter uma mensagem que tranquilize as pessoas,
o mundo é enlouquecedor como o tecnicolor

forjo bocas à deriva, ervas daninhas para aqueles mamíferos
encorpados pelos planos secretos que destroem os cantos

yanomamis, macuxis, mulheres línguas de estandartes/flechas, relvas
a revelação do peixe vermelho, grávidos de telas neobarrocas

o que faço da minha amargura?

sonho-a dentro de pelo menos três pessoas

Primata