Mateus Machado: A Mulher Vestida de Sol (2007)

Mateus Machado, nascido em Jundiaí, SP, é Cofundador e Diretor de Cultura da Associação dos Escritores, Poetas e Trovadores de Itatiba (AEPTI). Vencedor de prêmios literários, entre eles Ocho Venado (México), e finalista do Mapa Cultural Paulista (edição 2002), publicou, entre outros, os livros Origami de Metal, A Mulher Vestida de Sol, Pandora (romance), em parceria com Nádia Greco, A Beleza e Todas as Coisas, As Hienas de Rimbaud (romance), 17 de junho de 1904 – O Dia Que Não Nasceu (ensaio) e Nerval. É, também, idealizador do canal literário Biblioteca D Babel, no Youtube.


Os poemas a seguir foram selecionados do livro A Mulher Vestida de Sol (Ibis Libris, 2007).


LÍNGUA


Serpente árabe
tua escama entre as pernas
libélula sobre minha boca
tua polpa sem ferrugem
teu lagarto agridoce.
Com teus lábios carnudos
arrebata-me.


OS RITOS


Recolha o amor e a paixão do círculo sagrado
e desenhe seu poema-pentagrama
seu corpo-pentagrama
no meu corpo javali rupestre
no meu corpo antílope africano
no meu corpo peixe-cabra
no meu corpo sagitário lunar
no meu corpo felino sombra
no meu corpo todos os seus totens
enquanto conversamos com os mortos
na mesa branca do sonho.



AS CRIANÇAS

GÊNESE

As crianças rasgaram as vestes de Deus.
As crianças mijaram no trono de Deus.
As crianças chicotearam os olhos de Deus
com tanta devoção que o céu esgotou-se de azul.

As crianças são anjos tortos sem asas
que inventaram a onomatopéia.
As crianças sujaram as nuvens com chocolate
neste mundo mais cão que Balzac.
As crianças estão descontroladas
com seus aviões suicidas abraçando edifícios.

As crianças estão de castigo
por crucificarem os beija-flores nos postes de luz
na primeira noite da criação do mundo.




OS PÁSSAROS E OS POEMAS


Tudo o que tenho são poemas que não me pertencem.
E já tive um chão ensanguentado de pássaros
que chegam fora do corpo
(feito de dúvidas)
onde pousam seu livro de lajedos.
Os poemas,
quando você fecha a imensidão do livro,
alçam vôo
porque são orações silenciosas.
Almejam um corpo
um alçapão para o amor
no maravilhado rastro da vida.
Eles buscam o horizonte
abraçando curiosos
um instante de espanto
em cada corpo
funda certeza
de saberes,
trânsito de porto golpeado.
Você olha lentamente pelo vidro do carro
deixando a pista ao lado de um viaduto
(crianças empunhando armas).
Não percebem que se ajuntam ali,
(feito de dúvidas)
suas mãos vazias.
Mas agora nasce, na palma de cada uma,
o alimento dos pássaros no emocionado pouso
dos seus olhos que lê esta página.
Então peço-lhe que volte
e não se afaste mais de mim
(ainda há tempo).
Caminho devagar.
Vôo livre
é ter liberdade para amar
e tudo que temos
são pássaros.



Primata

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