Ricardo Escudeiro nasceu em Santo André-SP, em 1984, onde vive. É autor dos livros de poemas rachar átomos e depois (Editora Patuá, 2016) e tempo espaço re tratos (Editora Patuá, 2014). Graduado em Letras na USP, desenvolve projeto de mestrado com interesse em Literaturas Africanas de Língua Portuguesa e Estudos de Gênero. Assina a coluna desglutição, no Portal Heráclito. Atua no ensino fundamental II e no ensino médio. Possui publicações em mídias digitais e impressas: site da Revista CULT, Mallarmargens-revista de poesia e arte contemporânea, Germina-Revista de Literatura & Arte, Jornal RelevO, Revista Nefelibata, Revista Gente de Palavra, Revista SAMIZDAT, 7faces caderno-revista de poesia, Revista Pausa, Flanzine (Portugal), Revista Carlos Zemek, Revista Mortal. Publica poemas mensalmente na Revista Soletras, de Moçambique. Participou da antologia 29 de abril: o verso da violência (Editora Patuá, 2015). Foi poeta convidado no Espaço Literatura da 13ª Feira Cultural Preta, em 2014, e do sarau Plástico Bolha, evento de encerramento da exposição Poesia Agora, no Museu da Língua Portuguesa, em 2015.
Os poemas a seguir foram selecionados do livro rachar átomos e depois (Editora Patuá, 2016).
FUBECA
queria
um presente
qualquer dia
um olho
inerte e alheio
vidro
que nem vê e
que nem
sente
e que fixo despresencia a depredação do tempo
egoísmo
encher um pote com esses olhinhos
EYE OF THE TIGER
com Edson Valente, clinchando
“Float like a butterfly, sting like a bee.” (Muhammad Ali)
sobre abelhas e borboletas
jab direto
jab direto
nada
jab jab sai
suave pra esquerda
fatal
o soco e o outro
vez ou outra abdicar da esquiva
ir de encontro
só
quebra o que é dente
só
jorra o que é sangue
só
dói o que é corpo
THE THRILL IS HERE
with Riley Ben, riding with the King
sobre o fio da história
encontro
da tua mão
na minha
em carne ou imagem
digitação duma
penta blues com dedos
duma mão que nem
é minha
história extensiva
em carne ou imagem
facada
cravada numa possibilidade
e num feitiço
qualquer
duma existência pouca
e fria
DOS SEGREDOS QUE PARTILHO COM NINGUÉM
com Letícia Leão
de todas não há
distância que talhe
mais forte
corte inestancável
que a despresença
tem multidão que é só
amontoado sem gente
e tudo
o que verte do olho
descortina segredos
ingastada procura
da cortininha da vista
a pálpebra nula
há impresenças tão ou mais bonitas
que muita física ausência
A MÃO QUE PERFURA O VERSO
com Camila Braga
memória encravada
palpável
sente na pele em tempo
real o perecer da carne
não há dor
que tinta e derme não enfrentem
a mão que rasga e o couro ciente
implacáveis
agulha e vinil
e umas canções deslaceradas
dizem
vai pro corpo que te carregue
tatuagem
RACHAR UM ÁTOMO E DEPOIS
quando as palavras esgotam
o possível
ah
já iam além de cansadas né
despossessas
esfoliação de núcleos
cirúrgico procedimento
alongando e abreviando
corpos e fronteiras
entre vivido e imaginado
inventado e deveras visto
palavra
des comungam
com as coisas elas mesmas
objetos fracta
e não há já mais nomenclatura eh
só fluxo
ondas de vozes
história
a flor
ah essa é mais embaixo
mas e o poeta ele mesmo
ah esse
se faz mais que a carne e o tempo in verso
poltergeist que nos tenta
dá pras gentes o que não
é de gente
contatamos com o plano etéreo
OLHOS DE MADEIRA
e empolgados com o advento
eu fóricos
das notícias manchetearam
parem as máquinas
mas não todas
mas não para sempre
FERRUGEM E OSSO
com Edson Bueno de Camargo
saudade não cede
tem esse martelo aí
que vibra no verso da pele
e que é que
prega ou forja
angústia
não cede
tem esse trem desgovernado aí
que descarrila nunca
e que é que
entrega ou só aquece
nem nada nem ninguém
quem
é que sabe
sustenta o talvez
esse gosto por
revestir
com o que oxida
de uma coda à outra
eternas vésperas
ou
mais profundo
saudade não cede
tem esse martelo aí
que vibra