Thiago Scarlata (1989) é poeta, músico, escritor e criador/editor do Blog Literário Croqui. Teve poemas traduzidos para o espanhol, publicados em antologias e também nas Revistas Gueto, Escamandro, Mallarmagens, Monolito, Incomunidade, Janelas em Rotação, Poesia Brasileira Hoje, O poema do poeta, Poesia Avulsa, Literatura&Fechadura, Vero o Poema, Carlos Zemek, MOTUS, Jornal Correio Braziliense, Jornal RelevO, além de blogs literários. Foi finalista do PRÊMIO SESC DE LITERATURA 2016 e vencedor do CONCURSO MOTUS – MOVIMENTO LITERÁRIO DIGITAL 2017. É autor do livro de poesia Quando Não Olhamos o Relógio, Ele Faz o Que Quer Com o Tempo (Editora Multifoco, 2017) e prepara seu novo livro “Salobre”, que sairá pela Editora Urutau.
E-mail: [email protected] / [email protected].
FEIJOADA
trinta e seis horas ou mais
isso é o indicado
para tirar do porco
o que é do porco
um dia e meio
intermitentemente
trocando água
quanto mais dessalgado
menos aquele pedaço de orelha
ofende o paladar
e quanto mais cozido
menos incomum
a colher de pau
meneia em caldo denso,
pedaçudo,
enquanto o bacon
enruga na frigideira
o que ocorre durante
a pressão da panela
é o êxodo
da alma do ex-animal
disparada no vapor frenético
daquela chaminé
depois da tormenta,
abrimos a panela
e o que era pé, rabo,
língua e lombo,
deformou-se entre caroços
absorvendo uma cor escura
numa forçada comiseração
ante à nossa
cega
fome
O TREM
sem um único disparo
a mesma guerra
sapato
contra
sapato
aposto na redenção da máquina
apontando os ouvidos
para além da multidão,
na prata quente
e silenciosa do trilho
(alguém deserta)
e do outro lado
da estação superlotada,
acena carona ao tráfego
de janelas fumês
que nunca abrem
“o trem, meu jovem,
está atrasado…”
SACO DE LIXO
cabeça
de peixe
macarrão
estragado
– casca –
fruta podre
buraco de arcada
(lata, guimba, tampa
folha, fita, rolha)
– a mão filtra –
um naco de gordura!
é preciso cercá-lo…
entender que aquilo não é
exatamente carne
mas que guarda
um fio de gosto
de carne
– a língua
rígida
pressiona –
(garrafa, caco, caroço,
bagaço, pilha, bicho morto)
e então o osso
esse não é fácil…
envolve sede,
dente
e força
– ninguém sabe
a fome
de quem usa
um osso-
(saco, palito, papel cagado,
frasco, palito, prestobarba)
o saco de restaurante
rasga
e instantaneamente escorre
uma avalanche azeda e úmida
é como se tivessem misturado
todas as sobras de todo alimento
sendo o resultado aquela pasta incolor
uma substância homogênea
que pode facilmente ser confundida
com vômito
– o intestino
serpenteia –