Geruza Zelnys: Folheio teus cabelos, no contratempo do vento (2017)

Geruza Zelnys é escafandrista com doutorado em literatura líquida. Pesquisa as potencialidades provocativas, educativas e terapêuticas das oficinas de criação literária (UNIFESP-CAPES). Em 2014, criou o curso de Escrita Curativa. Publicou três livros de poesia: esse livro não é pra você (Ed. Patuá, 2015), se do meu púbis nascessem asas & outros poemas (Editora Oito e Meio, 2017) e Folheio teus cabelos, no contratempo do vento (Ed. Urutau, 2017); um livro de contos: 9 janelas paralelas & outros incômodos (Ed. Dobradura, 2016) e um romance com o prêmio PROAC 2015: tatuagem: mínimo romance (Ed. Patuá, 2016). O livro de poemas Quintais foi selecionado no Primeiro Edital de Publicação de Livros da Prefeitura de São Paulo e será publicado em 2018. Escreve no blog geruzazelnys.blogspot.com.br.

 

 

Os poemas a seguir foram selecionados do livro Folheio teus cabelos, no contratempo do vento (Ed. Urutau, 2017).

 
 

 
 

SEMANÁRIO OU O TEMPO DA DELÍCIA

 
folheio teus cabelos nesta manha de segunda-feira
 

folheio teus cabelos pela manhã
e um sonho colado à corda de sete linhas mais
uma orelha
pendurada na língua a palavra
estremeço

meus olhos abertos no escuro

todas as páginas escritas começam a queimar
pelas beiradas
depois o centro
estremece

a cidade e seus chakras encobertos pela luz

um poema escapa
dos teus pelos
e eu não posso perdê-lo

fodam-se os livros

fodam-se os livros
e todas bibliotecas itinerantes

teu nome é incêndio
e morde

 

 

O TEMPO DA VIAGEM

 
IX.
 

é nessa cama. onde? de areia. que te espero. nossa cama. onde
tua viagem
termina. e a minha.
recomeça.

então recomeçamos. do meio.
pra frente:

viagem
todo movimento que sempre e
ainda
é.

 

O TEMPO DO AMOR

 

I

 

caranguejo-violinista: teu braço longo apertando meu pescoço

 

por que não enfia mais fundo tua mão na minha vida
e toca essas pedras adormecidas nos bolsos
do meu paletó?

 

IV

 

são pedras, são pedras, repito
e teus dedos de tocar cordas arrancam-me o colar
apertado no bolso da camisa

girando enlouquecidas na aba do meu chapéu
pedras-meninas extirpadas
antes mesmo
do pesar

 

O TEMPO DO SUSSURO

 

III

 

chovo
com a chuva que já começa a cair

uma cama flutua
e meus olhos dançantes no delírio
do horizonte

pista de gelo quente

miopias e mirações
nossos pés entrelaçados
no estranho caminho
que nem caminhávamos

 

VII

 

é no meu corpo
que você hesita

na ponta da língua balança
um gemido
rabiscado ao meio

tínhamos um acordo e quando acordei
você já não estava lá

 

 

Primata