Lubi Prates é poeta, editora e tradutora. Tem dois livros publicados, coração na boca (2012 / 2016) e triz (2016), além de diversas participações em antologias nacionais e internacionais. Participou da organização da GOLPE: antologia-manifesto (2016), um grito de diversos artistas contra o golpe político que sofreríamos no Brasil. É sócia-fundadora e editora da nosotros, e editora da revista literária Parênteses.
Os poemas a seguir são inéditos.
PARA ESTE PAÍS
para este país
eu traria
os documentos que me tornam gente
os documentos que comprovam: eu existo
parece bobagem, mas aqui
eu ainda não tenho esta certeza: existo.
para este país
eu traria
meu diploma os livros que eu li
minha caixa de fotografias
meus aparelhos eletrônico
s
minhas melhores calcinhas
para este país
eu traria
meu corpo
para este país
eu traria todas essas coisas
& mais, mas
não me permitiram malas
: o espaço era pequeno demais
aquele navio poderia afundar
aquele avião poderia partir-se
com o peso que tem uma vida.
para este país
eu trouxe
a cor da minha pele
meu cabelo crespo
meu idioma materno
minhas comidas preferidas
na memória da minha língua
para este país
eu trouxe
meus orixás
sobre a minha cabeça
toda minha árvore genealógica
antepassados, as raízes
para este país
eu trouxe todas essas coisas
& mais
: ninguém notou,
mas minha bagagem pesa tanto.
.
ser mulher é uma bênção
ser mulher é poder gerar & poder parir
ser mulher é ter buceta, dois seios, uma bunda grande
ser mulher é
ser loira, olhos claros, nunca descabelar-se
é ter sangue escorrendo entre as pernas & não deixar que percebam mesmo que
você corra
você nade
você dance
ser mulher é uma bênção
e desde a Bíblia é ser apedrejada queimada morta
uma contradição
eu descobri agora que
não sou mulher
estou viva
nunca queimada
nunca apedrejada
eu descobri agora que
não sou mulher
sou negra, sou apenas uma negra
e o sangue que vem do meu ventre
permito que seja rio
que volte pra terra e
corro
nado
danço
descabelo-me
eu descobri agora que
não sou mulher
eu tenho pinto
apenas um seio
quadril estreito
nunca pari
eu descobri agora que
não sou mulher
ser mulher é uma bênção.