Mariana Varela: Enigmas de jaguar e jasmim (2020)

Mariana Varela Camara, poeta nascida em setembro de 1991, publicou Tempestade Musicada pela Editora Primata (2018) e Enigmas de Jaguar e Jasmim pela Editora Urutau (2020). É cientista social formada pela Universidade de São Paulo com mestrado em sociologia pela Universidade Nova de Lisboa. 



Os poemas a seguir foram selecionados da obra Enigmas de Jaguar e Jasmim (Urutau, 2020).



IMAGEM E PARTE


Você me diz imagem

Eu tropeço no sol,
verdadeira miragem.

Você me diz máquina

Eu rejeito
E com o tempo planto
maracujás e larvas.

Você me diz pedra

Eu revolvo o âmago
Cato a pedra e quero
quebrar a máquina.

Você me diz pássaro

E lamenta o canto agudo
de um rio esquecido
na Amazônia.

Cavo um buraco
em cada palavra
que me dizes

Buscando tirar delas
seu sangue-fato

Mas fracasso.

Caio de novo
no papel em branco

Imagem Máquina
Pedra Pássaro

Lembro de cada coisa
Sua infinita dor
E parto.


OURONOMACHIA



Na noite indesejada,
passa de novo por mim a serpente

Há anos sei que vem
e em silêncio vejo-a passar.

Tudo que passa traz a mensagem
maior que sua superficial imagem.

São símbolos,
minerais fundamentais da vertigem
venenos que convocam a maré cheia.

Aberta, o rio me atravessa
deserta, o rio me envenena.

O fogo flecha o signo
e me transporta à origem
da sua imagem mediada:

Tudo é mais que nome
tudo é mais que imagem.

Tudo é símbolo
tudo é viagem.

MULHERES QUE ESCREVEM


Cadela no cio
braseiro gemido
saliva intranquila.

Numa velha cadeia
uma fogueira acesa
e a amarga dentição das bandeiras.

Muda o sentido das coisas, muda
muda o sentido do vento!

Transforma-se o signo vivente
em símbolo vivido.

Fera, a violência dos olhos
é um tigre adormecido.

Mas corre veneno na palavra escrita:
o antídoto da cobra
contra o tigre antigo.

MÍNIMO VASTO



Dentro do olho mágico
a tua casa quase inteira.

E a roda da carroça que contém em si
a magia da velocidade.

Meus olhos contém o mundo, quando abertos
e fechados insinuam ainda
surrealistas composições.

Na seda em que me deito
está o bicho
está a China
está a Pérsia

Adoráveis folhas e sementes
de papoulas.

No chip que carrego está também
a mão de obra chinesa
vietnamita, talvez, mais barata
a tecnologia alemã

Toda a divisão internacional do trabalho.

Sim, quando toco tua mão
também posso sentir

Astros, planetas,
constelações dominicais

O mesmo incêndio permanente
dos signos cardinais.

Sim, não é preciso viajar
para conhecer os mares

Vales, montes e lagos
nada disso preciso.

Cada coisa contém em si
outros mosaicos

E nada está só
nem sozinho é forjado.

Recolho-me,
contente em saber
que a mais pequena fechadura

contém em si
a composição mais mínima e perfeita
da abertura.


Primata

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