Orides Fontela, uma das mais importantes poetas contemporâneas brasileiras, nasceu em São João da Boa Vista (SP) no ano de 1940 e faleceu em Campos de Jordão (SP) em 1998. Mudou-se em 1967 para a capital paulista, onde cursou filosofia na Universidade de São Paulo. É autora dos livros de poesia Transposição (Instituto de Espanhol da USP, 1969), Helianto (Duas Cidades, 1973), Alba (Roswitha Kempf, 1983), Rosácea (Roswitha Kempf, 1986) e Teia (Marco Zero, 1996). Sua obra foi reunida em 2015 pela editora Hedra, acrescida de poemas inéditos.
Os poemas a seguir foram selecionados do seu segundo livro Helianto (Duas Cidades, 1973). Confira a postagem sobre sua primeira obra neste endereço.
HELIANTO
Cânon
da flor completa
metro / valência / rito
da flor
verbo
Círculo
exemplar de helianto
flor e
mito
ciclo
do complexo espelho
flor e
ritmo
cânon
da luz perfeita
capturada fixa
na flor
verbo.
AS SEREIAS
Atraídas e traídas
atraímos e traímos
Nossa tarefa: fecundar
atraindo
nossa tarefa: ultrapassar
traindo
o acontecer puro
que nos vive.
Nosso crime: a palavra.
Nossa função: seduzir mundos.
Deixando a água original
cantamos
sufocando o espelho
do silêncio.
GÊNESIS
Um pássaro arcaico
(com sabor de
origem)
pairou (pássaro arcano)
sobre os mares
Um pássaro
movendo-se
espelhando-se
em águas plenas, desvelou
o sangue.
Um pássaro silente
abriu
as
asas
– plenas de luz profunda –
sobre as águas.
Um pássaro
invocou mudamente
o abismo.
SONHO
O ar irreal que cai
compõe um nítido campo
onde os ritmos os tempos
interfecundam-se plenos.
Imagens – ó cores puras! – sem peso
amplitude intangível claros pomos
peixes sutis na água viva peixes
deslizando – secretos – no silêncio.
O ar irreal que cai a queda lúcida
dentro do sono a grande flor aberta
o íntimo tempo que se instaura mito
rápidos peixes e pássaros e campos.
O ar irreal que cai
e se constela
– o absoluto no horizonte
do tempo.
A PAISAGEM EM CÍRCULO
Os plátanos as pombas estas fontes
as frondes, longe; e, de novo, os
plátanos.
As pombas estes plátanos as frondes
as fontes, longe; e , de novo, as
pombas.
As fontes estas frondes estas pombas
plátanos, longe; e, de novo, as
fontes.
Estas frondes os plátanos as fontes
as pombas, longe; e, de novo, as
frondes.
SOL
Sol.
Sol maiormente. Alucinado.
Sol
trespassante: há aberturas
no sangue
há janelas de vidro
na mente
Que mito subsiste
– que infância –
sob este Sol que ternura
nos resta?
Só o mito maior
deste Sol
puro.
Sol
sem nenhuma sobra
possível.