Armando Freitas Filho: anos 1980

Armando Freitas Filho nasceu em 1940 no Rio de Janeiro e estreou em 1963 com Palavras, editado por conta própria com ajuda do amigo José Guilherme Merquior. Escritor compulsivo, publicou e continua a publicar uma vasta obra poética, marcada pela  ampla imaginação e musicalidade em seus versos singularmente controlados. Dada a extensão e qualidade de seus livros, resolvemos dividi-los em uma série de postagens. Confira a primeira, referente aos livros dos anos 1960 e 1970, aqui.

Para a publicação de hoje, selecionamos alguns dos nossos poemas preferidos de seus três livros lançados na década de 1980: Longa Vida (Nova Fronteira, 1982), 3×4 (Nova Fronteira, 1985) e De cor (Nova Fronteira, 1988).

 

 

 

poemas de Longa Vida (Nova Fronteira, 1982)

 

 


.

 

Escrevo
             só
em último caso
ou como quem alcança
o último carro
como quem
                  por um triz
por um fio
                  não fica
no fim da linha
de uma estação sem flores
                        a ver navios.

 

Leia mais

Alice Sant’Anna: Rabo de baleia (2013)

Alice Sant’Anna nasceu no Rio de Janeiro em 1988. Publicou os livros de poesia Dobradura (7Letras, 2008), Rabo de baleia (Cosacnaify, 2013) e Pé do ouvido (Companhia Das Letras, 2016), além das plaquetes Pra não ficar na gaveta e Bichinhos de luz, e de Pingue-Pongue (2012), edição independente impressa em serigrafia, em parceria com Armando Freitas Filho. Trabalha como editora na Companhia Das Letras.

 


foto: Alexandre-SantAnna

 

Os poemas a seguir foram selecionados do livro Rabo de baleia, editado pela Cosac&Naify em 2013.

 

TREM NOTURNO

nós três rimos muito na cabine e nos assustamos quando o vagão para em uma estação erma, sem gente nos bancos, sem despedidas, o olhar duro do fiscal que dorme sozinho toda noite, o fiscal em sua cabine, sem casa ou mulher, espécie de marinheiro que não embarca em navio algum, que não fica a sós com horizonte algum, mas muito pior, esse fiscal que não pode se perder, está bem firme nos trilhos, em sua rota veneza-budapeste, que se estende por treze horas sem tirar nem pôr, o fiscal que nos recomenda trancar as três fechaduras da cabine, primeiro a de cima e em seguida a do meio, e nós achamos graça de tudo porque ninguém nos levou à estação ou nos espera na plataforma, não conhecemos absolutamente ninguém por estas bandas e por isso mesmo tudo é tão assustador e leve ao mesmo tempo, esse papel com frases em húngaro, algum comando incompreensível que não vamos seguir, as três com os olhos bem abertos fingindo para as outras que estão em sono profundo, quando na verdade as ideias dançam e trocam a ordem dos móveis na cabeça, se bem que provavelmente o único que dorme em todo o trem deve ser o fiscal, ou nem ele, duro que é, talvez prefira fantasiar com gigantes, maremotos

Leia mais

André Bonani: suceder (2016)

Escritor e ilustrador. Vive em São Paulo. Sua única regra é obedecer aos comandos da imaginação. Para isso, para manter essa fogueira acesa, se alimenta diariamente de poesia, da poesia das imagens, das palavras, da realidade, dos sonhos. Artes plásticas, literatura, cinema, teatro, música, fotografia, um café de tarde, uma madrugada insone, uma luz de outono, tudo entra no vagão da criatividade na hora de acelerar e soltar fumaça. Gosta de refletir sobre como cada processo subjetivo nos ajuda a construir e inventar significados para os fenômenos e experiências.

Mais do seu trabalho em: http://cargocollective.com/andrebonani


foto: Rodrigo Rodrigues

Os poemas e as colagens a seguir fazem parte da plaquete suceder (Editora Primata, 2016):

COCHILAR

lampejo dos que comigo não chegaram, dos que somente em mim caminho
adentro galgaram.
trafegam em bicicletas de algodão,
correndo macio,
são lenços em galáxias de nomes,
ganham forma,
são quase.

mas os olhos reabrem
e a tarde se refaz,
porcelana bege.

Leia mais

Bruna Mitrano: não (2016)

Bruna Mitrano (1985) nasceu e vive na periferia do Rio de Janeiro. É escritora, desenhista e articuladora cultural. Em setembro de 2016, publicou seu primeiro livro, o Não, pela editora Patuá.
 
 
bruna mitrano
 
 

*
 
na estrada de terra
da cidade vazia
a criança preta empunha um pedaço de pau.
ela está nua e vê-se um corpo tão prematuro
quanto ruínas.
a boca intumescida da criança preta gutura
morte ao rei!
e na aridez inalcançável dos pés descalços
resiste
a criança tão criança e velha,
sozinha e livre –
o sino da igreja abandonada toca todo dia na hora errada.
Leia mais

Yuri Pires

Yuri Pires nasceu em 1986, na cidade do Recife (PE), onde cursou História, na Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), e viveu até 2011, mudando-se para São Paulo (SP), onde publicou seu primeiro romance, O Homem e o Seu Tempo (Chiado Editora, 2014), seu primeiro livro de contos, Fábrica de heróis (apenas em e-book, 2015), e seu primeiro livro de poemas, Artifício (Editora Intermeios, 2015).

 

yuri pires

 
 

UTOPIA DA PALAVRA II
 

Uma imagem é palavra,
conjunto de, composta por;
conceitos, ideias, erratas:
palavras – tijolos de compor.

Há as vazias, amorfas, insípidas,
que cabem em qualquer imagem;
há as pesadas, formes, mínimas,
cujo manuseio exige uniformidade.

Mas como toda ela, maleável,
um artífice pode encaixá-las
em qualquer uma identidade,
decompostas, desmontadas;

amor cabe em Julieta e Aurélia,
ódio cabe em Moisés e Valjean,
paixão cabe em Evita e Lucrécia,
e assim por diante e diante.

Se mais pesadas, menos largas,
mais restritas no que sabem,
menos lisas e dissimuladas.
Utopia: a palavra sem imagem.

Leia mais