Yuri Pires

Yuri Pires nasceu em 1986, na cidade do Recife (PE), onde cursou História, na Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), e viveu até 2011, mudando-se para São Paulo (SP), onde publicou seu primeiro romance, O Homem e o Seu Tempo (Chiado Editora, 2014), seu primeiro livro de contos, Fábrica de heróis (apenas em e-book, 2015), e seu primeiro livro de poemas, Artifício (Editora Intermeios, 2015).

 

yuri pires

 
 

UTOPIA DA PALAVRA II
 

Uma imagem é palavra,
conjunto de, composta por;
conceitos, ideias, erratas:
palavras – tijolos de compor.

Há as vazias, amorfas, insípidas,
que cabem em qualquer imagem;
há as pesadas, formes, mínimas,
cujo manuseio exige uniformidade.

Mas como toda ela, maleável,
um artífice pode encaixá-las
em qualquer uma identidade,
decompostas, desmontadas;

amor cabe em Julieta e Aurélia,
ódio cabe em Moisés e Valjean,
paixão cabe em Evita e Lucrécia,
e assim por diante e diante.

Se mais pesadas, menos largas,
mais restritas no que sabem,
menos lisas e dissimuladas.
Utopia: a palavra sem imagem.

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Laura Navarro

Laura Navarro nasceu em São Paulo em fevereiro de 2000. É fascinada pelos celtas, pelas bonecas russas e, principalmente, pela linguagem, que ela define como “exercício criativo, social e, sobretudo, corporal”. Em 2016, publicou o livro Clair de Lune, pela Editora Patuá.

 

laura navarro

 
 

MATRYOSHKA
 
No dia do meu aniversário
Tu me deste uma dessas bonecas
Que eram várias
Dentro de uma
Como mãe e filha
Como alma e corpo
E, como eu,
tu disseste.

Elas sorriam, elas choravam
ao mesmo tempo
E conforme elas iam ganhando vida
Eu ia apodrecendo
Quem diria,
Uma boneca animando
humanos
Como uma menina brincando
de barbie?

Você sabe, eu guardava
As pétalas das rosas
que eu você me dava
dentro delas
Como se fossem vasos

E eu as carrego comigo
Como uma mãe que carrega
suas filhas
A diferença é que
A mãe é a matrioska, não eu

Aliás, se eu tivesse uma filha
Queria que essa boneca
fosse a parteira
assim como eu
em todos os partos dela
E que o cordão umbilical de minha menina
Fosse guardado dentro dela

E, quando eu morrer
Eu só peço
que a maior delas
seja enterrada comigo
E que coloquem as outras
Ao redor de meu túmulo

 

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André Bonfim

André Bonfim é poeta, ator, callejero profissional, vocalista da banda de blues & rock Velhos Abutres & professor de filosofia. Nasceu em agosto de 1984 em Fortaleza-CE. Fez graduação & mestrado em Filosofia pela Universidade Federal do Ceará – UFC entre os anos de 2003 a 2007. Depois migrou para o sul & em 2013 concluiu um doutorado em Filosofia pela PUCRS, em Porto Alegre-RS. Tem poemas publicados em revistas & sites de poesia & literatura em geral. É tutor de dois gatos & anda a pé.

 

André Bonfim

 
 
O ATACAMA EM MINHA PELE
 
os vales da morte & da lua
os desfiladeros callejeros
& ao longe um vulcão

todos tingem minha retina

tenho milhas carimbadas
em minha identidade velha
que se desfolha como um abacaxi

evoé, calles de san pedro!
peiote nas faces do alemão
com o cérebro em estado de graça
& berrando Lorca aos perritos callejeros

evoé, calles de san pedro!
peiote en las manos da chilena
vendendo cacos de vidro
& suplicando a diós por uma arte da fuga

evoé, calles de san pedro!
gracias por me despertar
de meu sono dogmático
& euclimondriano

(21:30 // 29.09.2016.)

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Armando Freitas Filho: anos 1960 e 1970

Armando Freitas Filho  nasceu em 1940 no Rio de Janeiro e estreou em 1963 com Palavras, editado por conta própria com ajuda do amigo José Guilherme Merquior. Escritor compulsivo, publicou e continua a publicar uma vasta obra poética, marcada pela  ampla imaginação e musicalidade em seus versos singularmente controlados. Dada a extensão e qualidade de seus livros, resolvemos dividi-los em uma série de postagens.

Nesta primeira, selecionamos alguns dos nossos poemas preferidos de seus cinco primeiros trabalhos: Palavra (edição particular, 1963), Dual (edição Práxis, 1966),  Marca registrada (edição Pongetti, 1970), De corpo presente (edição particular, 1975) e À mão livre (1979, Nova Fronteira).

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foto: Cristina Barros Barreto

poemas de Palavra (edição particular, 1963)

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1

No branco
o susto!
da coisa não sendo

lousa louça
giz traçando objeto
sem objeto, gás:

gonzo? ganso?
hesitando entre
a porta e o lago

silente muro
de cal, asfixiado
por um lençol

cai
pedra
de pano
penso.

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Raquel Gaio

Raquel Gaio nasceu e reside na cidade do Rio de Janeiro. É poeta, performer e também utiliza a fotografia para se dizer, pra expressar sua poética. Aprecia a imensidão do voo de um pássaro como também tem fascínio por ruínas e miudezas. Leva uma vida anfíbia.

 

raquel gaio

 

.

 

tenho a noite estilhaçada na jugular
e uma fome que não abandona seu canil.

esta carne permanentemente em queda.

há um pônei desidratado no peito
e uma puta carecendo de abrigo
sou a encarnação de quedas passadas
imploro por perdões e ossos melhores
mas não há céu que me ouça.

tento fotografar meus batimentos cardíacos
para emoldurá-los nas paredes de casa
mas antes mesmo do click
regurgito-os cheios de ontens intactos.

sujo as imagens para vislumbrar a queda.

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