Marcus Groza

Marcus Groza é professor, palavrero e devoto do céu violado. Publicou o livro de poemas e narrativas Sossego Abutre (Editora Patuá , 2015). Em 2016, assinou o libreto-dramaturgia e a encenação da anti-ópera Rua Carne Entre as Articulações. É doutorando em Artes Cênicas (Unirio) e coeditor da Revista Abate e da Revista Saúva.

 

 

 

 

DEFENESTRANDO MENDIETA

 

|EU queimou a VÍTIMA|

nem uma sobra
nem uma lasca de herói
nada
somente mortos e assassinos

quem aqui não carrega
o rosto empoeirado
da última terra que o vento criminoso
levantou por favor
esvazie os bolsos de pedras

quem inocência jurar
quem inocente ou ileso
se abraça e se conforta a si mesmo
carrega a moeda do herói
na ponta do nariz
com ela o mundo coloniza
domestica ou tenta ou imagina
a cada manhã em que pisa no chão

como seria
se o universo tivesse um eixo
e isso eixo fosse

EU Isso
| Deus |
Isso EU

um sorriso extenuante
concretado no rosto
uma ave pousada na cabeça como fosse um chapéu
uma ave que não voa
e você também não a espanta
nunca
nem às vezes para um daqueles respiros
em que mais e mais nos vinculamos um ao outro
meu amor
nem para um passeio arejar a cabeça
nada
e continuo
fingindo silêncio
colorindo a pele no verão

um dia sim
sonhei um dia
uma invenção de poeira
coisa de menino
montar com cacos sonhei
EU VÍTIMA

mas nem uma sobra
nem uma lasca de herói
nada
somente mortos e assassinos

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Armando Freitas Filho: anos 1980

Armando Freitas Filho nasceu em 1940 no Rio de Janeiro e estreou em 1963 com Palavras, editado por conta própria com ajuda do amigo José Guilherme Merquior. Escritor compulsivo, publicou e continua a publicar uma vasta obra poética, marcada pela  ampla imaginação e musicalidade em seus versos singularmente controlados. Dada a extensão e qualidade de seus livros, resolvemos dividi-los em uma série de postagens. Confira a primeira, referente aos livros dos anos 1960 e 1970, aqui.

Para a publicação de hoje, selecionamos alguns dos nossos poemas preferidos de seus três livros lançados na década de 1980: Longa Vida (Nova Fronteira, 1982), 3×4 (Nova Fronteira, 1985) e De cor (Nova Fronteira, 1988).

 

 

 

poemas de Longa Vida (Nova Fronteira, 1982)

 

 


.

 

Escrevo
             só
em último caso
ou como quem alcança
o último carro
como quem
                  por um triz
por um fio
                  não fica
no fim da linha
de uma estação sem flores
                        a ver navios.

 

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Alice Sant’Anna: Rabo de baleia (2013)

Alice Sant’Anna nasceu no Rio de Janeiro em 1988. Publicou os livros de poesia Dobradura (7Letras, 2008), Rabo de baleia (Cosacnaify, 2013) e Pé do ouvido (Companhia Das Letras, 2016), além das plaquetes Pra não ficar na gaveta e Bichinhos de luz, e de Pingue-Pongue (2012), edição independente impressa em serigrafia, em parceria com Armando Freitas Filho. Trabalha como editora na Companhia Das Letras.

 


foto: Alexandre-SantAnna

 

Os poemas a seguir foram selecionados do livro Rabo de baleia, editado pela Cosac&Naify em 2013.

 

TREM NOTURNO

nós três rimos muito na cabine e nos assustamos quando o vagão para em uma estação erma, sem gente nos bancos, sem despedidas, o olhar duro do fiscal que dorme sozinho toda noite, o fiscal em sua cabine, sem casa ou mulher, espécie de marinheiro que não embarca em navio algum, que não fica a sós com horizonte algum, mas muito pior, esse fiscal que não pode se perder, está bem firme nos trilhos, em sua rota veneza-budapeste, que se estende por treze horas sem tirar nem pôr, o fiscal que nos recomenda trancar as três fechaduras da cabine, primeiro a de cima e em seguida a do meio, e nós achamos graça de tudo porque ninguém nos levou à estação ou nos espera na plataforma, não conhecemos absolutamente ninguém por estas bandas e por isso mesmo tudo é tão assustador e leve ao mesmo tempo, esse papel com frases em húngaro, algum comando incompreensível que não vamos seguir, as três com os olhos bem abertos fingindo para as outras que estão em sono profundo, quando na verdade as ideias dançam e trocam a ordem dos móveis na cabeça, se bem que provavelmente o único que dorme em todo o trem deve ser o fiscal, ou nem ele, duro que é, talvez prefira fantasiar com gigantes, maremotos

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André Bonani: suceder (2016)

Escritor e ilustrador. Vive em São Paulo. Sua única regra é obedecer aos comandos da imaginação. Para isso, para manter essa fogueira acesa, se alimenta diariamente de poesia, da poesia das imagens, das palavras, da realidade, dos sonhos. Artes plásticas, literatura, cinema, teatro, música, fotografia, um café de tarde, uma madrugada insone, uma luz de outono, tudo entra no vagão da criatividade na hora de acelerar e soltar fumaça. Gosta de refletir sobre como cada processo subjetivo nos ajuda a construir e inventar significados para os fenômenos e experiências.

Mais do seu trabalho em: http://cargocollective.com/andrebonani


foto: Rodrigo Rodrigues

Os poemas e as colagens a seguir fazem parte da plaquete suceder (Editora Primata, 2016):

COCHILAR

lampejo dos que comigo não chegaram, dos que somente em mim caminho
adentro galgaram.
trafegam em bicicletas de algodão,
correndo macio,
são lenços em galáxias de nomes,
ganham forma,
são quase.

mas os olhos reabrem
e a tarde se refaz,
porcelana bege.

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Bruna Mitrano: não (2016)

Bruna Mitrano (1985) nasceu e vive na periferia do Rio de Janeiro. É escritora, desenhista e articuladora cultural. Em setembro de 2016, publicou seu primeiro livro, o Não, pela editora Patuá.
 
 
bruna mitrano
 
 

*
 
na estrada de terra
da cidade vazia
a criança preta empunha um pedaço de pau.
ela está nua e vê-se um corpo tão prematuro
quanto ruínas.
a boca intumescida da criança preta gutura
morte ao rei!
e na aridez inalcançável dos pés descalços
resiste
a criança tão criança e velha,
sozinha e livre –
o sino da igreja abandonada toca todo dia na hora errada.
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