Casé Lontra Marques

Casé Lontra Marques nasceu em 1985. Mora em Vitória (ES). Publicou Movo as mãos queimadas sob a água, Saber o sol do esquecimento e Mares inacabados, entre outros. Reúne o que escreve em caselontramarques.blogspot.com.br.

 

 

 
Respiração extática

 

 

— A — CORPO DE CONTENÇÕES:

 
 

Não me afasto da sua fala,
do sulco
na safra da sua fala

(enquanto
resisto ao emparedamento)

encontro
na sua voz uma vibração
longínqua
mas luminosamente tensa:

uma
vibração indecisa

sobretudo
quando adversa:

como conviver
com
a velhice — a minha velhice —

que
não quero decrépita?

cauterizar
as feridas que catalisam

a fossilização

(contra os rumores
de
seus remorsos)

repudiar
as pedras com que preenchemos

a boca
eliminando

as cinzas
de
nossa subsistência?

 
 
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Lilian Aquino: daqui (2017)

Lilian Aquino nasceu em São Paulo em 1979. É autora de Pequenos afazeres domésticos (Patuá, 2011) e Daqui (Patuá, 2017, Bolsa ProAC de criação literária).

 


foto: Diego Jock

 

Os poemas a seguir foram selecionados do livro Daqui (Patuá, 2017).
 

 
PREMEDITADO
 
 
Saí de casa adulta
pra morar na rua
quer dizer
não exatamente na rua
asfalto ou calçada
Moro no telhado

Eu, os gatos, o violinista
nessa inclinação boa
acima do edifício
Aqui, nada de sonhar
e a água escoa

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Claudio Willer: Anotações para um apocalipse (1964) e Dias circulares (1976)

Claudio Willer é autor dos livros  de poesia Anotações para um apocalipse (Massao Ohno Editor, 1964), Dias circulares (Massao Ohno Editor, 1976), Jardins da Provocação (Massao Ohno/Roswitha Kempf Editores, 1981), Estranhas Experiências (Lamparina, 2004) e A verdadeira história do século 20 (Córrego, 2016), também publicado em Portugal pela Apenas Livros – Cadernos Surrealistas Sempre, em 2015. Além de ensaísta, crítico e agitador cultural, realizou importantes traduções de obras como Os Cantos de Maldoror de Lautréamont, Escritos de Antonin Artaud e Uivo, Kaddish e outros poemas de Allen Ginsberg. Um pouco mais de seu vasto trabalho e colaboração cultural pode ser conferido neste blog.

Realizaremos um breve panorama de sua trajetória poética, dividido em 4 postagens. Nesta publicação, selecionamos alguns poemas de seus dois primeiros livros, compilados em Estranhas Experiências (Lamparina, 2004).

 


ensaio de “América”, a peça sobre geração beat, abril de 1967 – foto por Décio Bar

 

poemas de Anotações para um apocalipse (Massao Ohno Editor, 1964)

 

 

 

O VÉRTICE DO PÂNTANO

                                                                              J’ai tant revê de toi
                                                                             que tu perds ta realité
                                                                            Robert Desnos

 

1

 

O pântano é um espelho despedaçado – nele flutuam imagens conduzindo ao além-mar das derrotas, dos dias de angústia mais negra. Eu me perderei pelos labirintos e pelas mansardas, em busca de uma lembrança cercada por antenas trêmulas e lampiões chineses. Abrem-se as corolas para mais um abraço mortal do destino, e a cidade estremece e recua diante da proximidade do Apocalipse, enquanto percorro as ruas de muralhas desabadas e canteiros desertos, as mansões que aprisionam tempestades de gaviões negros. A cidade e seus serpentários, sua coloração de sacrifício, suas vertigens, seus braços que não alcançam mais o próximo instante. Os telhados me sufocam e dão a certeza de que há gestos que são uma antecipação da morte e olhares que encerram abismos.

 

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Susanna Busato: Corpos em cena (2013)

Susanna Busato, autora do livro Corpos em cena (Editora Patuá, 2013), é uma gaivota paulistana. Filha dos anos 60, meio hippie nos anos 80, virou professora universitária nos anos 90 com a poesia na rota da vida. Durante os voos virou Mestre em Comunicação e Semiótica (PUC/SP) e Doutora em Letras (UNESP/São José do Rio Preto), onde fincou o bico como professora de Poesia Brasileira, e onde tem um grupo de estudos de poesia, o GEP/CNPq. Hoje se dedica a devorar nos lírios as serpentes que habitam seu corpo. Por isso traça roteiros pra tudo. Viaja dormindo, sonha acordada e realiza os desejos em voo rasante. Deixou seus rastros e pensamentos em várias revistas literárias e acadêmicas. Num dos voos, ganhou o Prêmio Mapa Cultural Paulista na fase estadual, Categoria Poesia, em 2010. O livro Corpos em cena foi finalista do Prêmio Jabuti 2014 e integra a Coleção Patuscada, premiada com o ProAC – Programa de Ação Cultural da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo.

 

 

 

HORIZONTE DE ESPELHOS

 

colunas e conchas
água clara
seios
o chão as curvas
de um sol navegam
sua ilha
clitoriana gruta
horizonte de espelhos
superfície ao reverso

 

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Guilherme Zarvos (2017)

Guilherme Zarvos atualmente vive em Maricá (RJ) e é autor dos livros Beijo na poeira (Pós-diluviana, 1990), Nacos de carne (Francisco Alves, 1992), Ensaio do povo novo (Francisco Alves, 1995), Mais tragédia burguesa (7Letras, 1998), Morrer (Azougue, 2002), Zombar (Francisco Alves, 2004), Branco sobre branco (Ateliê editorial, 2009), Lições educacionais para Tintum (Nonoar, 2012) e Olho de lince (Circuito, 2015). Nos anos 1980, foi assistente de Darcy Ribeiro na elaboração dos CIEPs. Em 1989, junto com Chacal, criou o evento Terças Poéticas e em 1990 o CEP 20.000 (Centro de Experimentações Poéticas 20.000) que já existe a mais de um quarto de século.

 

 

Os poemas a seguir foram selecionados a partir da coleção Antologia postal, belo e importante projeto da editora Azougue, em parceria com a Cozinha Experimental, que publica mensalmente, por assinatura, grandes poetas brasileiros contemporâneos.

 
 

HENRIQUE

 

Ele era branco. A camada de tinta sobre a tela.
A primeira segunda cama-
das de tinta brancas sobre a tela. Intacta.
Ele era branco. O rosto pretensiosamente
masculino. Francês pernas finas com mús-
culos de corrida. O short e a camisa brancos.
Olhei me olhou. Tantas vezes. O número
que supera desculpe-me, ou você está me
olhando porquê. Ele era francês perdido no
vagão do metrô. Eu sou do Rio. Cada um
media a liberdade e o espaço. Foram poucas
palavras. Não era de palavras. Sem retórica. Eu
não falo francês. Seu olhar pretensioso aborrecia-me.
O corpo muito belo. Quase todos os machos sabem
que os rapazes atraem certos homens. Poucos
são inocentes. As mães nunca são inocentes. Os
pais raramente são inocentes. Os adultos poucas
vezes não sabem que rapazes atraem muitos
homens. Isso é repugnante! Os homens riem dos
homens que deixam transparecer atração por rapazes.
O francês era belo. O buço do francês era belo.
Os poucos pelos da coxa do francês de pernas finas
e musculosas eram belos. Ele me olhava. Olhava
para ele.
Deitou na minha cama sem palavras. Seu
corpo era magro e musculoso. Entumecido o
membro era pequeno. aparentava fragilidade. En-
volto em pelos finos como seu cabelo seus ombros
seus músculos. Branco foi a imagem que
restou. O ventre branco espargido de esperma
que escorria ou gotejava aqui acolá – o quadro
final: o silêncio do branco e o cheiro de homem
que enjoa ou agrada a muitos homens – quadro
insólito. O francês vestiu a camiseta e o calção
brancos e apertou minha mão. Saiu em silêncio e
o cheiro que impregnava foi pela janela. Como são
brancas as nuvens!

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